Eduardo 27/03/2024
Bom, mas nada além disso
Apesar de publicado posteriormente à Carrie, este foi um livro escrito quando King tinha seus poucos 18 anos. Após não ter conseguido ser publicado, foi deixado de lado, mas após alguns anos, o autor, através do pseudônimo Richard Bachman, decidiu publicá-lo.
Devo dizer que a obra, assim como a premissa, é uma Longa Marcha.
Aqui basicamente acompanhamos 100 adolescentes homens que se inscrevem num evento em que são obrigados a andar até morrer, basicamente. Aquele que for o último vivo, vence (um proto-battle royale?).
A obra é cansativa. É um cenário pequeno e ele não explica as coisas de verdade. Este livro é daqueles que te coloca numa história e não se preocupa em explicar em si o "porquê" dela estar acontecendo; basicamente te mostra o decorrer de uma determinada situação. Ou seja, ela não busca te dizer o porquê da Longa Marcha existir, nem quando as pessoas permitiram ela existir, nem se há protestos reais e revoluções contra etc etc. Simplesmente é o livro dizendo: "Ela existe, agora vou te mostrar o que acontece com ela existindo."
A narração é bem presa no modo do protagonista, Garraty, enxergar o mundo. Digo que ler é uma Longa Marcha porque parece que, propositadamente, o livro foi feito para ser cansativo. Da mesma forma que acompanharemos pessoas andando à força mais de 100 quilômetros, nos cansaremos como eles. Talvez tenha sido uma estratégia para passar a sensação dos personagens.
Além disso, pode-se dizer que muito do livro busca demonstrar não em si só a perspectiva de quem está dentro da Longa Marcha, mas sim dos que a assistem. Toda a obra pode ser analisada e feita uma reflexão como uma crítica à sociedade. Lá, a Multidão assiste os adolescentes sendo mortos (e a cada vez que algum morre na frente deles, comemoram muito) e apoia a existência do evento. Podemos pensar, lendo a sinopse, que todos estariam revoltados com este governo distópico que obrigatoriamente coloca este evento todos os anos, mas a real é que as pessoas GOSTAM que ele exista (não é atoa que as inscrições são voluntárias; ninguém é obrigado a entrar na Marcha, eles que fazem um "vestibular" pra entrar).
Então podemos traçar um paralelo entre toda essa perspectiva com o nosso mundo real e pensar no tanto de coisas cruéis e violentas que nós apoiamos em nome do grandioso entretenimento.
Como experiência pessoal, apesar de ter o King como meu autor favorito, não gostei tanto assim da história. Ainda que a escrita neste contexto ser cansativa faça sentido, continua sendo um pouco desestimulante ler; além disso, achei complicado me importar com os personagens porque eles eram muito cheios de defeitos. Neste ponto, é algo positivo até, porque na vida real não existe alguém "bom" ou "ruim", mas pessoas misturadas entre esses espectros; mas o ponto é que se tornava difícil torcer para alguém porque todos (protagonista incluso) tinham uns pensamentos muito merdas. O final, também, não foi tãão legal assim pra mim. A primeiro momento não entendi absolutamente nada do que ele quis dizer, e depois lendo umas resenhas e pensando melhor consegui ter uma percepção mais apurada, mas no geral, acho que poderia ter um pouquinho mais de páginas nesse fim, mas todos sabemos a dificuldade do King, principalmente no começo da carreira, de entregar finais bons. Achei também que o livro teve bastante coisas consideravelmente inverossímeis, que acabava estragando um pouco a experiência porque você precisava se forçar muito pra imaginar que seria possível algo como aquilo acontecer; entretanto, acho que esse é um dos motivos que impulsiona interpretarmos a obra de um jeito mais metafórico, porque justamente essas inverossimilhanças podem ser um sinal de que o livro tem mais a dizer do que simplesmente o enxergado na literalidade.
Talvez, no fim, a Longa Marcha não seja sobre uma corrida entre pessoas, mas uma metáfora para a vida, em que as pessoas tem momentos bons, ruins, ficam doentes, caem, se levantam, quase morrem ou morrem mesmo, dão a volta por cima e etc. O fim, encontrando aquela coisa no final da corrida, possa significar que em tudo que fazemos, estamos sempre torcendo pelo "prêmio do final", pela recompensa quando acabar, mas talvez o verdadeiro prêmio esteja no caminho.
No geral, diria que se você não gosta muito do King, não é por causa desse livro que você vai gostar, mas no campo das reflexões, da crítica e do paralelo com nossas atitudes na realidade, pode ser uma obra bastante rica. Não entrou nos meus favoritos, mas também não é uma leitura vazia.