iagofelipeh 11/09/2024
A adolescência nua e crua
Essa foi minha melhor experiência de leitura com Elena Ferrante, autora de quem eu gosto muitíssimo.
É espetacular como ela conseguiu mesclar, num mesmo livro, profundidade e ambiguidade dos personagens, amadurecimento e contradições sutis na narração em primeira pessoa e uma fluidez bizarra no ritmo de leitura.
Eu, particularmente, não sou um leitor muito veloz, e isso tem a ver com meus vieses literários. Meus gostos, em geral, se dão em obras mais densas e que vão exigir maior cuidado e atenção, além de maior esforço. E Elena Ferrante consegue percorrer muito bem esses dois caminhos de escrita: o mais desafiador e o mais fluído.
Em livros como Dias de Abandono e Um Amor Incômodo, precisei de muito mais empenho e fôlego para absorver as nuances que ela trouxe ali. Na medida em que, em A Vida Mentirosa dos Adultos, embora tenha mais de 400 páginas, a leitura fluiu muito bem.
O surpreendente é que ambos os modos me causaram um imenso impacto e me fizeram refletir sobre inúmeros aspectos.
A escrita da autora sempre me traz a um lugar de desconforto no papel alienígena de homem, uma vez que ela constrói mulheres incrivelmente reais. Na mesma medida em que consigo me colocar naqueles contextos e sentir um pouco das dores das personagens.
E é encantador como tudo nesse livro se encaixa. A narrativa dispõe de um período muito delicado e determinante da vida de Giovanna: a adolescência. Vemos ela de seus 12 até seus 16 anos, o dolorido e brutal final da infância, as revoltas, as decepções familiares, as contradições, o impacto da sociedade que a rodeia na sua personalidade que vai sendo formada.
Ao mesmo tempo em que a fluidez do livro demonstra muito bem essa aura mais "juvenil", os temas tratados e o modo como a personagem se desenvolve são tudo menos uma literatura Young Adult.
Passado o estranhamento inicial, todas as nuances construídas para a protagonista são absolutamente reais. Eu, como leitor, me senti na pele de Giovanna e consegui traçar muitos paralelos com a minha própria adolescência.
A narrativa em primeira pessoa sob esse olhar jovem é perfeitamente disposta. Não há confiabilidade em suas percepções. Suas atitudes são naturalmente inconsequentes e trazem à tona toda a bagagem construída.
A sutil mudança de tom a partir de seu amadurecimento, as descobertas sexuais, as decepções familiares e a visão prática, mas nunca racional, de que o ser humano é complexo, hipócrita, bom, mau e, muitas vezes, apenas incompreendido.
Giovanna, com suas muitas particularidades, se torna mais uma jovem que tende a ser uma adulta tal qual seus pais, sua tia Vittoria e suas amigas são ou vão se tornar.