Lodir 23/01/2011Ótimo suspense sobre influência religiosa, e brasileiro!Estou realmente surpreso com o selo “Novos Talentos da Literatura Brasileira”, da editora Novo Século. Depois de ler o excelente “Agora Eu Morro”, de Fabio Brust, o segundo livro lançado pelo selo que leio, “Estátuas de Sal”, conseguiu me surpreender ainda mais.
Vamos começar pela fachada: o título é curioso, mas não nos dá, nem mesmo de longe, uma noção da história. A capa é belíssima, numa ótima arte mostrando a cidade de São Paulo destruída. Para os padrões da Novo Século, o autor teve muita sorte com a capa que seu livro recebeu.
São Paulo destruída? Isso mesmo. E por ninguém menos que Deus. Esse é o ponto de partida de “Estátuas de Sal”, e seja qual for o leitor, isso deve ser suficiente para tomar sua atenção. Li o começo do livro disponibilizado no site e confirmei que o livro parecia ser realmente bom; as páginas iniciais me conquistaram por já abordar o polêmico tema religioso logo no início.
A trama se passa depois que a cidade de São Paulo – e só ela – foi destruída por Deus por conta dos pecados de seus habitantes, que acabaram todos mortos, repetindo a história bíblica de Sodoma e Gomorra. Dez anos após a catástrofe, a população das cidades vizinhas vive com a sombra da antiga metrópole ao lado, mas cercada por um extenso muro (como o de Berlim), na tentativa de afastar toda a maldição envolvendo o lugar.
Em uma dessas cidades mora Alice, a protagonista, que vive isolada em seu apartamento desde que seu pai se suicidou. Depois de receber uma estranha carta de um homem desconhecido, ela parte em busca das respostas sobre o pai.
A partir de então, só lendo o livro para entender que obra é essa. Basta dizer que André Cardinali, um jovem paulistano na faixa dos vinte anos, esbanja criatividade e construiu um suspense de tirar o fôlego, misturando filosofia e religião. Não é um livro religioso; o autor usa do romance para nos fazer refletir sobre diversos aspectos filosóficos, como a busca pelo sentido da vida, mas acima de tudo para fazer repensar as conseqüências das religiões na nossa vida – as boas e as ruins. Sem tomar partido apenas para um lado, ele conseguiu equilibrar formidavelmente os pós e os contras das conseqüências de um mundo convivendo com a doutrina religiosa.
É evidente que André tomou da fonte Dan Brown, aclamado autor de “O Código da Vinci”, e outros excelentes livros. Isso não é nem de longe ruim. Além de ser fã do best-seller americano, acredito que André Cardinali conseguiu usar o mesmo ritmo de romance e suspense do autor, mas de uma forma original e criativa. Até a narração paralela envolvendo o casal Pedro e Mariana é similar com as de Dan Brown. Ele captou o melhor de Brown – o suspense envolvendo história, religião e muita correria por cenários de uma metrópole real – e adaptou tudo isso para um tema novo e um ambiente brasileiro.
Para quem conhece o centro de São Paulo – e principalmente para quem mora lá – o romance é um prato cheio. Os personagens passam por diversos pontos conhecidos da capital paulistana, entre ruas, praças e monumentos, só que dessa vez destruídos, usando sempre uma descrição muito bem feita. Um dos pontos fortes do autor é justamente esse – a narração. Mais da metade do livro se passa com uma única personagem em ação, com páginas e páginas sem diálogos, onde ela corre de um lado para o outro, invadindo casas e passando pelos vários cômodos delas. Esse tipo de texto não é para qualquer escritor. Descrever um personagem com seus movimentos físicos dentro de uma sala – por páginas e páginas – e fazer isso em vários ambientes diferentes, sem outra pessoa ou objeto em movimento para interagir, não é tarefa fácil. Quem é escritor sabe disso. Andre Cardinali faz isso bem, de uma forma natural que não é cansativa.
Ficam evidentes algumas falhas no livro, mas que são normais e perdoáveis em um autor enfrentando seu primeiro livro. Os diálogos são escritos de uma forma excessivamente coloquial, ou seja, como geralmente falamos. Os “cês” ao invés de “vocês” tornam-se cansativos ao longo do texto, e devem causar estranheza em leitores de outras regiões do país onde não se usa essa e outras expressões presentes. Isso é algo que deve ser pensado durante a escrita, já que nunca se sabe o poder de circulação que um livro alcançará. Incomodam os excessos de palavrões nos diálogos, ditos o tempo todo por todos os personagens, como se todas as pessoas os usassem. Lembra a hora em que, ao assistir um filme nacional e ouvir tanto palavrão saindo da boca dos atores, pensamos: “É um filme nacional, não tem jeito”. Outra falha é na explicação física para o funcionamento do “disco”, um objeto que tem uma função importante para o estado em que a cidade de São Paulo ficou. Não vou dar muitos detalhes sobre o que esse objeto faz para não estragar a surpresa de quem não leu o livro, mas quando um personagem fala sobre seu funcionamento – tão importante para a trama – isso é feito de maneira vaga e em apenas um parágrafo.
O mais importante deixado pela obra, no entanto, é sua excelente mensagem envolvendo a influencia do fanatismo religioso em nossas vidas. O final do livro é surpreendente, e não era de longe o que eu esperava, o que sempre é bom. Consegui ler um final que estava além das minhas expectativas, e que se mostrou muito melhor do que elas. O livro, além de um prazeroso suspense, é uma obra que deve ser lida por todos e que deve levar a uma reflexão importante para a vida, principalmente em sociedade. É um dos melhores livros que li. André Cardilani se mostrou um excelente autor revelação, que ainda deve dar bons frutos, e que conseguiu transformar em romance um problema atual e polêmico.