spoiler visualizarRayanne Chagas 06/01/2021
Afetos, inocência e muitos Zezés por aí no mundo...
Eis que chega o momento de inaugurar as resenhas aqui no skoob, e foi fácil iniciar por esse enredo gostoso de Meu Pé de Laranja Lima. Escrito por José Mauro de Vasconcelos em 1968, e tão atual, me trouxe o cuidado do afeto e a importância do olhar criança na descoberta das pessoas, das coisas e da vida. A história começa no capítulo “o descobridor das coisas” e acho que bem por isso me falou nesse tom com o menino Zezé de sonho de ser poeta de gravata (e que no tom de vida real passa a querer buscar dinheiro). Zezé é um menino arteiro que tem um desenvolvimento bem precoce na inteligência, desde o aprender a ler sem instrução até nas narrativas de forma de apreender o mundo e que vai sendo moldado de acordo com sua realidade - dura, de pobreza, de violência, de incompreensão, de falta de valorização da inocência; que me fez pensar muito em quantos Zezés nós temos por aí. A criança que idealiza as formas através dos adultos em volta e pergunta com tom de desbravamento das coisas. O grande ponto para mim tratou-se das relações, nos amigos que Zezé vai descobrindo e é notório perceber que é o afeto que na verdade consegue ensinar na vida. É assim observamos o encontro com “Minguinho”, o pé de laranja lima que chega bem como uma projeção e passa a ser o lugar de encontro de Zezé consigo e com o carinho tão buscado de aventuras e partilha entusiasmada; e também com o Portuga, chamado de Manuel Valadares a qual é conseguido Zezé devolver a leveza dos sorrisos - ambos solitários e com tom encerrante na estória, encontram em Zezé o tom de vida que encontra motivos para não desistência existência. No pé de laranja lima, o amigo imaginário, idealizado, conectado; em Manuel Valadares a figura de cuidado, de descoberta do outro, e muitas vezes de tom paterno; além desses há ainda o cuidado distante de uma de suas irmãs, as quais trazem a reflexão de violência e cuidado domiciliar tão importante para a realidade infantil. Um livro de questões sociais com tom vibrante de descoberta de menino e que esteve lá no final da década de 60, mas ainda está muito por aqui.
Eu, como apaixonada por citações, não tenho como não deixar algumas:
“- E como é que você faz
- Não espero nada. Assim a gente não fica desapontado.” (pg. 53)
“Vamos dormir. O sono faz a gente esquecer tudo.” (pg. 53)
“Esse pessoal vai contando as coisas e pensa que criança acredita em tudo” (pg. 112)
“A gente não devia tirar as ilusões de uma criança.” (pg. 113)
“A verdade, meu querido Portuga, é que a mim contaram as coisas muito cedo”.
“Você precisa saber que o coração da gente tem que ser muito grande e caber tudo que a gente gosta” (pg. 136)
“Matar não quer dizer a gente pegar o revólver de Buck Jones e fazer bum! Não é isso. A gente mata no coração. Vai deixando de querer bem. E um dia a pessoa morreu.” (pg. 165)
“Depois matei você ao contrário. Fiz você morrer nascendo no meu coração.” (pg. 166)
“A vida não se resolve assim de uma só manobra.” (pg. 176)