Steh 24/11/2010
Quando tudo vira pó
Apreensão de carregamentos de cocaína, prisão de traficantes, viciados em drogas que se envolvem em conflitos – essas cenas são tão comuns na realidade brasileira quanto nos nossos jornais diários. Para quem não convive diretamente com essas situações é fácil concordar com a opinião imposta pela mídia e pela sociedade em geral, de que as pessoas envolvidas com o tráfico são necessariamente bandidas e devem ser punidas severamente por isso. O jornalista Guilherme Fiuza, em seu livro Meu Nome não é Johnny, faz uma análise profunda de uma dessas histórias, desconstruindo este senso comum, nos fazendo um convite a um pensamento mais sensível sobre essas situações. Fiuza investiga a fundo a vida de João Guilherme Estrella, sem preconceitos, sem julgamentos – apenas João, uma pessoa, um garoto da classe média carioca, que poderia ser seu primo, seu irmão.
O livro reportagem retrata desde a infância, até os dias delirantes de cocaína, viagens, loucuras e prisão de João Estrella. Para seu pai, o que importava era vencer, e não competir. E foi nesse espírito que foi criado João, sem limites para fazer o que quisesse, sem fronteiras para crescer e vencer na vida. Ele chegou a um ponto de em sua vida que envolvia dinheiro, mulheres e felicidade. Mas a felicidade não seria duradoura. E nem como seus pais desejavam que fosse.
O caminho que João percorreu para se tornar um dos maiores fornecedores de cocaína no Rio de Janeiro dos anos 90 não foi planejado, sendo um ciclo natural de procura, fornecimento e aceitação. Como muitos de seus amigos de sua juventude – muitos renomados e reconhecidos em sua profissão ainda hoje – João nasceu da burguesia ascendente, estudou em boas escolas e freqüentou bons lugares. Mas também, como várias de suas companhias, fumou, bebeu, cheirou. Alguns pararam, alguns continuaram esporadicamente, outros “cheiraram” seu carro, seu apartamento, acabando com sua carreira e até a vida.
João, sempre o centro dos grupos de amigos, acabava se encarregando das pequenas distribuições de cocaína. A freguesia burguesa aumentava, e com ela o fornecimento, o dinheiro e suas conseqüências lisérgicas. João tinha o crème de la crème do Rio de Janeiro em sua mão. E não tardou a entrar em um grande esquema de produção e comércio de cocaína de alta qualidade, envolvendo inclusive tráfico para a Europa. O outro continente era mais uma nova forma de diversão e prazeres para João do que uma perigosa transação de drogas, suficiente para manter qualquer pessoa presa por décadas.
A relação de João com as drogas é tratada não de maneira repressiva ou moralista pelo autor, sendo descrita a partir de sentimentos que João sentia, o que dá um clima de rebeldia e torna João próximo do leitor. Quando João é preso em uma emboscada policial e posteriormente é julgado, podendo ficar mais de trinta anos na prisão, sua trajetória de vida nos faz refletir. Será que é assim que João deve terminar? Será que é isso que ele necessita para sua recuperação e retorno a sociedade? Ou seria apenas mais um jovem que, viciado em drogas, não teve uma oportunidade de parar e pensar se aquilo era realmente o correto?
Quando se tem muito dinheiro e conseqüentemente poder, não é fácil largar tudo. Tão difícil quanto isso é se recuperar do vício das drogas, o que dificilmente ocorre em uma prisão ou até em manicômios judiciários, onde o contrabando de entorpecentes é uma situação habitual. Além de uma grande investigação e reportagem sobre a vida do ex-traficante João Estrella, o livro mostra o qual frágil é nosso sistema penitenciário. E o quanto é importante não fechar os olhos para o consumo de drogas no Brasil, que acabam com a vida de muitos brasileiros – muitas vezes por não terem uma oportunidade adequada de recuperação, como teve João.