Luiz Pereira Júnior 05/01/2022
A gosto do freguês...
Mais uma coletânea de contos de terror, mas resolvi fazer diferente: ao finalizar cada conto, escrevi algumas linhas sobre o que achei dele (seria muita pretensão de minha parte dizer que fiz um trabalho apurado. Nada disso, o que fiz foi apenas uma impressão à medida que a leitura do livro avançava).
Costumo ler vários livros ao mesmo tempo, mas isso não é sinal de inteligência, voracidade ou qualquer outro autoelogio que eu queira me dar. É apenas por uma questão de adequação ao tempo disponível que possuo.
Por exemplo: 1) acordo pela manhã, tomo café e leio um livro de poemas, que é ótimo neste caso, pois posso parar onde quiser e a leitura não ficará fragmentada; 2) levo outro livro na mochila para o trabalho (sou professor e tenho alguns horários que aqui são chamados de “janelas” em que preciso ficar esperando para dar a próxima aula) e, neste caso, leio um livro de teoria literária ou algo ligado à minha área profissional e, desta forma, eu me mantenho atualizado sobre o que ensino; 3) quando disponho de um tempo maior, levo a cadeira de praia (onde moro não tem praia – rsrsrs) para o quintal e leio um livro de não ficção, pois vou marcando os trechos que me interessam e depois os transcrevo no notebook para utilizá-los mais tarde em algo de que precise; 4) à noite, antes de dormir, leio obras de ficção, pois o ambiente está mais silencioso e muitas vezes preciso de mais concentração para fazer a leitura valer a pena; 5) reservo o período de férias para aqueles livros que exigem ainda mais concentração e dedicação à leitura (é difícil ler textos de Filosofia, de Sociologia, de Política no ramerrão de todos os dias).
Mas, voltando ao livro em questão, eis o que pensei sobre cada um dos contos que li (não estão na ordem em que aparecem no livro, pois fui lendo à medida que os temas me interessavam e, para isso, contei com a valiosa contribuição dos leitores deste e de outros sites);
1) Devoluções atrasadas – lembra um pouco “O Sexto Sentido”no sentido (desculpem o trocadilho) de que devemos finalizar algo aqui na Terra antes de prosseguirmos no além. Um história lírica, saudosa, ligada à família, à velhice e o amor aos livros (termos, aliás, muito constantes na obra do pai do autor);
2) Às margens prateadas do Lago Champlain – duas crianças encontram o cadáver de um dinossauro (um plessiossauro) às margens de um lago. Gostei da técnica narrativa utilizada pelo autor em que todos os acontecimentos são vistos pela ótica das crianças, como se fosse um adulto vendo as crianças discutindo sobre aquilo que para nós parece tolice, mas que, para elas, assume importância fundamental (um desenho que elas fizeram é mais valioso do que o cadáver de um dinossauro encontrado no quintal). Um final ao mesmo tempo estranho e plausível, que não chega a surpreender mas que não tira o mérito da narrativa;
3) Twittando no circo dos horrores – a técnica utilizada já vem explicitada no título da narrativa. Uma adolescente escreve mensagens no Twitter falando horrores da mãe, porque é obrigada a viajar com a família, embora desejasse ficar em casa no celular (alguém aí se reconhece?). Adorei a crítica à futilidade das mensagens instantâneas e à superficialidade/rebeldia de muitos jovens privilegiados que passam o dia inteiro no celular reclamando que seus pais não lhe entendem (“mas você não entende seus pais”, diria Renato Russo) e como odeiam o mundo, mas nada fazem para mudá-lo, já que esse mesmo mundo lhes dá tudo de mão-beijada. Embora seja mais uma manjada história de zumbi, ponto para o autor pela visão crítica em um livro que visa basicamente ao entretenimento;
4) O Diabo na escadaria – uma bela história com uma estrutura gráfica muito bem pensada. O narrador é um homem já velho que se lembra do encontro com o filho do Cujo nas escadarias da cidade italiana de Positano. Os textos são montados como escadarias para fazer referência à principal característica positana e também para indicar a luta pela sobrevivência em sua difícil infância. No meio do conto, em que o personagem encontra o Mal, o texto toma o aspecto normal de parágrafos, para, logo em seguida, após o pacto feito, voltar ao esquema de escadarias e perceber que, no tempo de sua velhice, o Mal ainda existe e permanece eterno. Ótimo uso da mitologia cristã (o encontro e o pacto com o Mal) e da mitologia greco-romana (a crença de que há diferentes caminhos, portais, aberturas para o Inferno). Vale a pena ser lido, sem dúvida alguma;
5) Você está liberado – um conto sem maiores pretensões. Durante um voo de longa distância, os passageiros recebem a notícia de que a base estadunidense de Guam foi bombardeada. Por meio de vários pontos de vista, o autor nos mostra as características psicológicas de vários personagens e de suas reações ao fim próximo (algo que, no final de contas, já foi visto nem sei quantas vezes em filmes, livros, séries). Enfim, nada demais;
6) Estação Wolverton –um executivo embarca em um trem e descobre que está no meio de lobisomens, mas, como ele está na primeira classe, seu colega de viagem não o ataca. Parece mais um dentre tantos textos sobre lobisomens. Lembrei-me também da amoralidade “O Lobo de Wall Street” pela amoralidade das jogadas financeiras do protagonista. Conto mediano. Nem fede, nem cheira;
7) Campo do medo – mais um conto bem escrito, sem dúvida alguma, mas nada de assustador, como quer nos fazer crer a propaganda em torno do livro (melhor dizendo: do conto). Transformado em filme em um serviço de streaming, narra a história de um campo de grama alta que atrai os viajantes a entrarem nele. Boa ideia dos autores em fazer com que a voz que chama seja a de uma criança (afinal, será que algum de nós não entraria na grama alta para tentar resgatar uma criança chorando?). A cena do canibalismo pode ser repugnante, mas nada que fuja daqueles padrões gore já tão usados e abusados em dezenas de filmes. Bom conto, mas talvez não seja uma boa ideia lê-lo depois de ter assistido ao filme;
8) Carrossel sombrio – uma das características mais marcantes da obra de Stephen King é utilizar elementos de nostalgia para compor uma atmosfera sombria, deixando um sabor agridoce na boca (na mente) de seu leitor. E o filho dele segue os mesmos passos. Ao contar uma vingança que os cavalos de um carrossel assombrado fazem aos seus molestadores, Joe Hill nos transporta para um mundo passado, decadente, mas com aquele laivo de melancólica saudade, de tristeza, de recordações perdidas que apenas quem frequentou um parque de diversões em uma infância distante é capaz de rememorar. Em que pesem as descrições sanguinolentas de vísceras espalhadas (gore mais uma vez), um dos melhores contos do livro;
9) Impressão digital – uma soldado retorna ao lar depois de ter torturado civis inocentes na base norte-americana de Abu Ghraib. A situação muda e ela passa a ser torturada por... Bem, sem spoiler. Um conto que preza por nos deixar desconfortáveis perante o conhecimento de que não há mocinhos, não há heróis, não há bondade, não há idealização na luta pelo Bem, mesmo quando o combate é contra o terrorismo;
10) Alta velocidade – o primeiro conto do livro. Uma ótima narrativa centrada em poucos personagens e apenas uma situação-conflito (como um bom conto deve ser). Um dos meus maiores prazeres (talvez o maior) é quando o autor consegue me surpreender e poucos textos têm conseguido fazer isso, pois cada texto me faz lembrar algo que já li (aliás, algo absolutamente comum para quem lê muito). Minha surpresa no conto foi a relação de ódio entre pai e filho, pois poucos autores parecem ter abordado de forma tão crua esse assunto que de tão polêmico chega a ser tabu. Já em relação ao restante... bem, devo dizer que parece-me ter lido uma longa sequência em déja-vu. Uma história de perseguição em autoestrada não é necessariamente a coisa mais original que se escreveu (o tempo inteiro me vieram à mente imagens de “Encurralado” e “Easy Rider”, como citado pelo autor). A bem da verdade, não é possível ser original em tudo (como na natureza, também na literatura, nada se cria, tudo se transforma);
11) Fauno – um argumento bastante original. Imagine uma caçada nas savanas africanas, em que apenas os multimilionários podem pagar para abater um dos grandes mamíferos (algo que acontece na realidade). Mas imagine o quanto eles não pagariam para abater uma criatura mitológica (um fauno, um ciclope), que, a cada equinócio ou solstício, tem seu mundo em contato com o nosso. Um conto fantástico, no sentido literário do termo, mas que, ao mesmo tempo, critica o incrível poder e a inatingibilidade que o dinheiro oferece nos dias atuais (a bem da verdade, o que sempre ocorreu desde que o homem é homem);
12) Tudo que me importa é você – uma pequena obra-prima da ficção científica. Em um futuro talvez nem tão distante assim, as pessoas se comunicam com robôs muitas vezes mais parecidos com os seres humanos do que os próprios humanos (algo que lembra em muito o filme I.A. e as histórias de Asimov), enquanto que os que podem compram máscaras caríssimas que se tornam uma segunda face de acordo com a vontade do cliente. Sim, uma ótima crítica social mais uma vez. O pai da protagonista é um homem que tem uma profissão completamente inusitada: ele é um Ressuscitado (não vou estragar uma das maiores surpresas do conto dizendo o que isso significa) e, na festa de aniversário da filha, não pode dar os presentes que ela pediu e que, na verdade, nem têm grande importância para ela a não ser o fato de poder causar inveja às amigas. Ao encontrar um robô que lhe dá os presentes, um sentimento, de afeição, de ternura, de gratidão começam a surgir na mente do leitor. Mas o final surpreendente dá uma reviravolta nos sentimentos à medida que a leitura do conto é finalizada... Como eu disse antes, uma obra-prima em poucas páginas;
13) Mães – que pena que eu deixei esse conto para o final. Apesar de ter uma boa premissa (mais uma vez, uma ótima crítica social, demonstrando o fanatismo da sociedade americana de nossos dias), o conto acaba descambando para uma história um tanto quanto melodramática (talvez chamar o conto de piegas, de meloso ou algo do gênero seja exagerado). Um menino tem uma mãe em processo de loucura e é criado por um pai fanático (mude o gênero e a motivação e você terá Carrie). O pai planeja um atentado e acaba por assassinar a esposa em conluio com a professora particular do filho e o amante disfuncional dela. O filho encontra uma senhora muito idosa em um dos passeios com o pai, que lhe oferece sementes (João e o pé-de-feijão) que são exatamente o que o nome diz. A partir daí, qualquer informação será um spoiler e o conto acaba por se assemelhar a uma colcha de retalhos. Talvez o mais direto seja simplesmente dizer: não me empolgou...
Uma coletânea de contos irregular, como já foi citado várias vezes. Mas não seria melhor dizer que toda e qualquer coletânea foi, é e sempre será irregular?