spoiler visualizarLuciano 20/02/2015
Primeiro e último livro
No primeiro livro de Dan Brown, Susan Fletcher, a melhor criptografa da Agência de Segurança Nacional (NSA), é chamada por seu chefe, Trevor Strathmore, para ajudá-lo quando a agência é ameaçada por um algoritmo de encriptação indecifrável. Ao mesmo tempo, Trevor, vice-diretor da NSA, envia o marido de Susan, David Becker, para a Espanha, onde está o recém falecido Ensei Tankado, criador do algoritmo, à procura de pistas que possam ajudá-los a decifrar o código.
Foi o primeiro livro de Dan Brown que li. Intrigado pela sinopse e vontade de ler um Tecno-thriller, resolvi lê-lo. Lendo algumas avaliações e comentários, esperava um suspense inteligente, de tirar o fôlego. Infelizmente a história não chegou nem perto disso, o livro simplesmente não convenceu. Os pontos que para mim são positivos são dois apenas: a história é rápida e a leitura é fácil e dinâmica. O resto é um festival de clichês e incoerências. Não justifica de maneira alguma o sucesso estrondoso de Dan Brown.
A escolha de nome das personagens foi ruim do começo ao fim. Algum nome esquisito ou feio é aceitável, senão natural. Mas quando quase todos são, deve ter algo errado. Nomes como Tankado, Strathmore, Chartrukian, David Becker, Cloucharde, Brinkerhoff, Milken, Meio-a-Meio, Hulohot e Soshi, foram, para mim, escolhas de mau gosto.
Se o nome das personagens é ruim, suas ações e escolhas são ainda piores. Por exemplo, Austin, criptógrafo da NSA demitido por ter “digitalizado uma foto de uma revista erótica e editado a imagem, colocando a cabeça de Susan no corpo da modelo original” e a exibido no quadro de avisos do departamento de criptografia. Essa atitude é muito mais condizente com as ações de adolescente do que com as ações de um profissional da NSA, que, nesse caso, por causa do emprego que tinha, provavelmente era um intelectual de meia-idade. A NSA, que foi retratada como uma agência que abriga somente as melhores mentes não consegue distinguir entre um funcionário sério e um moleque enrustido.
Depois que Susan é chamada ao escritório e fica sabendo da existência do Fortaleza Digital, descobrimos que Ensei Tankado, seu criador, está morto, supostamente vítima de um ataque cardíaco aos trinta e dois anos de idade. O criador da única arma virtual que poderia acabar com a NSA morre pouco tempo depois de chantagear a agência. Não existe dúvida de que sua morte não foi natural. A explicação de que Tankado possuía um problema no coração não serve senão para desviar a atenção dos leitores mais inocentes. Não há suspense e nesse momento você começa a suspeitar do envolvimento de Strathmore na morte do ex-funcionário da NSA.
Ainda no escritório, Susan recebe, através de Strathmore, a notícia de que seu marido, David Becker, está na Espanha em uma missão em prol da NSA, que foi solicitada pelo prórpio vice-diretor. Becker, que era professor universitário, parece a melhor opção para uma agência governamental com poder e conexões inimagináveis. A desculpa de Strathmore é que não queria usar os canais oficiais e correr o risco de descobrirem a missão. Porque fazer coisas por debaixo dos panos é outra atividade que uma agência dessas não conseguiria fazer. Fica claro na hora que isso só serve para aumentar o conflito entre David e Susan, que estão passando por uma péssima fase de seu relacionamento, para depois, no final do livro, salvar a relação dos dois e, de quebra, fornecer aos leitores um final feliz.
Um pouco mais pra frente na história, Susan se vê diante da necessidade de enviar um programa por email (um tracer, como eles chamam) para North Dakota, supostamente um amigo e ajudante de Tankado. Após cuidar de todos os aspectos técnicos, Susan envia o programa e, em seu monitor aparece bem grande: Tracer enviado. Isso não só é inconsistente com esse tipo de operação, que deve ser sigilosa, como denota falta de pesquisa do autor sobre o assunto. Apesar da história ser interrompida em vários momentos para o autor fornecer informações sobre computação e criptografia, existe uma falta de credulidade enorme nos procedimentos de cunho computacional durante a história. Isso só serve para mais tarde, Hale ser capaz de entender o que está acontecendo e interromper o funcionamento do programa e com isso criar um novo conflito. No fim, só serve para acelerar uma história que não precisa ser mais acelerada.
A explicação de Milken sobre a divisão por zero é outro trecho que mostra claramente como o autor negligenciou a pesquisa em alguns momentos. A explicação que a personagem fornece sobre sobre a divisão de um número qualquer por zero é a seguinte: “Se o denominador for zero, o resultado da divisão tende a infinito. E, como computadores odeiam “infinito”, eles preenchem os espaços com uma fileira de noves”. O que é incorreto, tanto matematicamente quanto computacionalmente. A divisão por zero não é matematicamente definida. Isso significa, de forma simples, que ela não existe. Não é possível realizar uma divisão por zero. Um computador, que utiliza matemática de forma extensa em seus algoritmos, não seria capaz de realizar a divisão e provavelmente retornaria uma mensagem de erro e não o valor um bilhão, como foi o caso. Até porque, se a explicação de Milken está correta, o valor retornado deveria ser U$ 999,999,999 e não U$ 100,000,000. Mas acontece que um bilhão é mais “fácil” para o leitor.
A sala que contém o TRANSLTR, o supercomputador da NSA, e arma mais poderosa para a inteligência norte americana fica em um local onde os vidros não são a prova de balas e podem ser quebrados com facilidade se Susan jogar uma mesa neles. Uma inconsistência, que, novamente, tem como único propósito permitir que a história se desenrole de maneira óbvia e acelerada.
As partes em que David Becker é perseguido assassino profissional, Hulohot, que de alguma maneira consegue estar sempre um passo atrás de um professor universitário que não faz ideia do que está fazendo, são muito chatas. As perseguições são aventuras baratas que sempre terminam bem para Becker pois alguma força (a mão do autor) o salva. Apesar disso, essas partes ainda conseguem ser melhores que a busca frustrante de Becker pelo anel de Tankado.
O suspense ficou suspenso no livro. A única reviravolta bem arquitetada foi a inexistência de um código indecifrável. A busca pelo portador do anel na Espanha, a óbvia tentativa do autor de acusar Hale de ser um criminoso e a suposta venda do Fortaleza Digital para um magnata japonês falharam miseravelmente. Serviram apenas para comprovar que Strathmore não era o mocinho, apesar das suspeitas terem sido levantadas logo no início.
O enredo é genial, mas mal aproveitado. O suspense é fraco e a quantidade de detalhes que tiram a credulidade da história é impressionante. O romance entre Susan e David é ruim, mesmo em segundo em plano e a tentativa de triângulo amoroso fracassou miseravelmente. A trama política é fraca e pouco explorada. O final é previsível. O livro trás informações interessantes sobre computação e criptografia e trás questionamentos válidos sobre privacidade e moral. No fim, não passa de diversão barata produzida para ser consumida em massa.