Felipe Duco 07/06/2017
Apesar de irregular, é incapaz de ficar na zona da indiferença.
Relação de amor e ódio. Mais uma vez, o que é difícil pra mim em um livro do Sidney Sheldon - correção... um livro que ao menos tenha a marca de Sidney Sheldon. O que me conforta é saber que ele não tem nada a ver com isso. Não diretamente, pelo menos. Vamos começar a esculachar... O que mais me irritou foi a falta de profundidade com os protagonistas. Grace é super mal apresentada, assim como Lenny e John. Aí quando aparece uma senhora latina que trabalha no necrotério ela enche essa personagem de características, costumes e um passado interessante. E isso se repete exaustivamente com personagens menores. Pra que dar um passado, uma mini-biografia pra personagens que vão aparecer apenas uma vez, quanto muito duas? E tudo bem se isso acontecesse, legal, seria um puta ponto positivo, porém porque não se empenhar um pouco mais pra fazer uma boa história e descrição dos próprios protagonistas? Como ter conexão com um protagonista que foi apresentado em mais de dois parágrafos de maneira rasa? O livro teve 461 páginas mas poderia ter 200 páginas a mais se estas fossem escritas apenas pra dar uma construção e histórico menos preguiçoso pros protagonistas.
Outros pontos de deixar com borbulhando de raiva são: 1º) As situações inusitadas da fuga de Grace e; 2º) As motivações de Lenny e John.
1º Em Se Houver Amanhã, a gente fica se deliciando em acompanhar plano após plano de Tracy, porque eles são simplesmente geniais. E estou falando de um livro que a protagonista executa roubos inatingíveis e porque é interessante? Porque Sidney Sheldon elabora um plano engenhoso e nos mostra a mecânica por trás dele. Existe uma situação inusitada e é mostrado a maneira detalhada como a Tracy faz aquilo, levando em consideração todos os riscos e pontos falhos possíveis e você fica encantado com tamanha excelência, porque se trata de um tutorial de como fazer aquele roubo! Em contra ponto a Depois da Escuridão, temos situações complicadíssimas sendo resolvidas de maneira que não sabemos como ou, pior, sendo solucionadas do jeito mais simples do mundo. Isso não impacta, não sensibiliza, isso não marca. E o pior, isso acontece demais e deixa a credibilidade lá em baixo.
2º Os motivos de Lenny de ter feito tudo o que fez... Hã? Oi? Ele deixou Grace passar pelas coisas que passou porque ela nunca sofreu e ele precisava fugir? Além de fazer pouco sentido, não parece uma motivação boa pra quem está lendo mais de 450 páginas esperando por essa explicação.
Em suma negativa, o livro é uma promessa que não acontece. Tem um enredo grandioso, ideias formidáveis, personagens que poderiam ser melhor aproveitados, mas acabou por se resumir a um filmão de ação com perseguição, tiroteios e conclusão tensa de suspense e explicação do plano do vilão. É uma pena porque tinha potencial pra voar tanto...
Passando a raiva...
É um livro notável. Longo, soturno, pesado, como todo legado do mestre. Apesar de tudo que já descasquei, achei que Depois da Escuridão, foi o romance que a Tilly se aproximou mais da escrita do Sidney Sheldon. Reaproveitou elementos já usados como Grace na cadeia, com sua amiga apaixonada, negra do bem (Se Houver Amanhã). A gagueira de John (Tony em O Reverso da Medalha). A própria questão de um julgamento permeando a história (e no prólogo) é bem recorrente nos livros de Sidney Sheldon (Conte-me Seus Sonhos, O Outro Lado da Meia Noite, Nada Dura Para Sempre, além de A Ira dos Anjos, que né... é um livro que trata disso). Embora que valer-se desses elementos pra compor a história é um ponto positivo. Dá uma sensação de nostalgia que ajuda na empatia pelo livro. A mudança de personalidade de Grace, baseado em tudo o que ela passou (coitada gente, mesmo, senti pena em diversos momentos) foi interessante de acompanhar, embora acho que poderia ser ainda melhor. A conclusão em aberto de: e aí, Lenny e John eram amantes? Achei ótima também.
Tenho um destaque particular pelo capítulo 15, que conta sobre a vida de Mitch antes de virar detetive, que é um capítulo ex-cep-cio-nal! Escrito de uma maneira tão fascinante e respeitável, sem nenhuma frase ou acontecimento fora de lugar, jogo de palavras oportuno, tudo fechadinho... aaaah! Melhor capítulo!
O ultimo capitulo mais o epílogo foram poéticos, bonitos também, escritos com muita, mais muita competência (entretanto, aí eu vou bater na mesma tecla... o último capítulo que é a morte de Lenny poderia ter feito meio mundo chorar, mas como chorar por um personagem que quase não vimos e quando vimos era distante e apático?)
Um livro que, apesar de irregular, é incapaz de ficar na zona da indiferença. Não se passa batido, não se desconecta dos personagem e do universo tão facilmente.