Vitor Hugo 17/02/2024
O HOMEM É O LOBO DO HOMEM
Obra clássica e indispensável da literatura inglesa, publicada pela primeira vez em 1954, SENHOR DAS MOSCAS é um pequeno tratado sobre a condição humana, sobre a fina película envernizada de civilização que está sempre prestes a se romper, dando vez e voz "às trevas do coração humano".
Um grupo de meninos em idade escolar, com até doze anos, após um desastre aéreo, vê-se isolado em uma ilha do Pacífico, desacompanhado de adultos. Passam a se organizar enquanto coletividade, à espera de um possível e incerto resgate. Tudo isso em meio a uma guerra que assola o planeta, inclusive com o uso de armas nucleares.
Após um período inicial de diversão e encantamento em meio a um cenário paradisíaco, os conflitos exsurgem e se mostram paulatinamente mais intensos, havendo uma divisão do todo, com a caracterização de dois grupos, um deles capitaneado por Ralph, e o outro por Jack.
O livro, a par da primeira camada sobre um grupo de meninos sobrevivendo em meio à natureza, apresenta-se como um candente debate dual, contrastando a civilização com a barbárie, as regras com a força, a democracia com o autoritarismo, o coletivo com o individualismo.
Há um constante medo do desconhecido, de um possível monstro, que seria personificado por algum ser que habita a ilha, que não se revela. O monstro, contudo, como percebe o sensível menino Simon, está dentro de cada um deles, ele é o SENHOR DAS MOSCAS, é a irrupção da violência que estava contida dentro de cada menino.
Há uma degradação não só das relações entre os meninos, mas do próprio ambiente natural que os cerca, posto que eles acabam destruindo a harmonia da ilha, colocando fogo, de forma irresponsável, em praticamente tudo.
O irônico é que o dito "mundo civilizado" igualmente está em processo de destruição, dada a guerra que se desenrola no planeta, e da qual os meninos se afastavam em processo de evacuação, quando acabaram por cair na ilha, gerando uma batalha própria, em uma imitação das barbáries do mundo adulto.
Como no clássico de Hobbes, Leviatã, o menino Ralph sentencia que "sem as regras, a gente não tem nada". Parece básico e indispensável. Mas a humanidade, setenta anos após a publicação do livro, segue comprovando que isso não é tão simples assim, posto que o "lobo" está sempre à espreita, esperando uma pequena oportunidade para gerar o caos.