Wagner47 07/03/2023
Qual a primeira coisa que perguntamos sobre o recém-nascido?
Ao discutir política, conspirações, gêneros e lealdade, Ursula é brilhante.
Porém é justamente no usual que ela peca.
Genly Ai, terráqueo, está em Karhide, nação do planeta Gethen/Inverno. Sua missão é fazer com que os os karhideanos se juntem ao Ekumen, uma "associação" planetária. Para ajudá-lo nessa missão, Estraven (primeiro ministro do rei Argaven) marcará uma audiência.
Mas há um grande problema nisso tudo: Estraven é acusado de traição e banido de Karhide. O quanto isso implicará em Genly?
A autora soube criar um planeta brilhante: com própria cultura, vocabulário, sistema de horas e datas único e até mesmo a questão de relacionamentos sexuais (o que para mim é o melhor contexto do livro).
Genly, apesar de não estar banido, resolve partir para Orgoreyn, nação vizinha e rival de Karhide que disputam por Domínios. A partir daí a autora sabe movimentar a trama muito bem.
Os habitantes de Inverno são andróginos em uns 80% do tempo. Há muito esforço em diferenciar quem é homem e mulher apenas pela aparência, dois termos que para eles não existem. As caracteriscas do gênero só são evidenciadas quando estão no kemmer, processo o qual órgãos se desenvolverão. Tal processo ocorre de forma aleatória e não pode ser controlado por meios naturais. Após o fim do ciclo, sendo sexual ou gestacional, voltam ao seu normal.
Estabelecido isso, Ursula levanta uma discussão incrivelmente importante: onde está o papel do homem e da mulher na sociedade? Karhide não tem discriminação e vive em paz até em seus momentos de medo. O quanto isso é influenciado no comportamento da humanidade?
É uma abordagem incrivelmente sagaz, mas que tem um grave defeito no livro: é incrivelmente curta.
Pouco após a metade do livro, Estraven e Genly partem em uma jornada no Gelo: percorrerão quase 1500 quilômetros. O que seria um momento perfeito para construir uma melhor relação da dupla, torna-se uma descrição interminável da ambientação que é a mesma em todo o trajeto: neve. Quanto mais se lia, mais passava a impressão que estavam no mesmo lugar. Obviamente são abertas brechas e um respiro para o leitor quando um é sincero com o outro e falam a respeito de gênero, mas são pouquíssimos momentos assim. Quando penso que vai, voltamos à neve.
O livro também traz capítulos a respeito de histórias, lendas e relatos em Gethen que são maravilhosos. O único ponto contra que tenho é o posicionamento, pois em alguns deles há explicações de certos termos. Parece uma coisa boa, mas a partir do momento que o leitor é bombardeado de um vocabulário novo, talvez algum tenha passado batido nessas explicações (no caso, esses capítulos poderiam vir um pouco antes).
Ursula é bem descritiva e não tem pressa. Em grande parte não é um defeito, pois ajuda a deixar essa cultura ainda mais rica. O final também tem muitos pontos positivos. Pode dar a impressão de decepção, mas a autora sempre deixou claro do que poderia acontecer.