May_ 27/03/2020
Retorno aos tempos que não podemos mais voltar
Acabei de ler o livro. Ainda me sinto mal. Ainda sinto esse peso no peito.
Acabei de ler, por isso, ainda não pensei tanto sobre a obra.
Mas vamos lá.
Pra mim, esse foi um livro de atmosfera. Nada acontece nele. Tirando, talvez, o final, não existe um grande ponto de trama. O que ocorre é um slice of life na vida de alguém que está em dúvida sobre a própria realidade que vive. Sobre si mesmo. Sobre os outros. Mas, para além de dúvida, existe uma atmosfera. Uma atmosfera centrada em opressão. Em cobrança. E, nossa, isso sufocante!
Paulo, o protagonista, é ao mesmo tempo alguém desprezível, uma vítima e um provável culpado. Me senti com dó de Paulo. Mas não no sentido de ''coitadismo''. Não. Me senti na pele dele. Na paranoia dele. Vendo as pessoas ao arredor duvidando. Insinuando. E, o pior, de fato dizendo.
Durante a leitura, torcia por Paulo, mas, ao mesmo tempo, nunca deixei de ter um certo desprezo a ele. E, o pior, uma certa dúvida. A paranoia dele também se aplicava a mim. Eu duvidava de Paulo e isso me fazia mal.
Mas, bem, tirando minhas emoções de lado: O livro tem algumas temáticas curiosas. A primeira (e provavelmente a mais óbvia) é a de retorno. No caso, um retorno a um origem em que a pessoa já não pode mais voltar. Um passo perdido na mera intensão de dá-lo.
Na segunda sessão com o psicólogo, Paulo fala sobre sua frustração com a depressão. Do como deixamos mais complexos coisas que, a priori, eram simples. O que ele faz, aqui, é querer um retorno as origens das bases humanas. Um retorno a uma mentalidade mais suave. Um retorno impossível, no ponto que estamos.
Paulo, ao mesmo tempo que retorna ao ''ponto de partido'' (ele volta a sua vida 1 ano antes), também está confuso. Ele retorna, mas não vive como antes. Pois viver assim é impossível. O contexto muda. Ele muda com esse contexto. Mesmo voltando ao passado, esse passado é deixado para morrer. As pessoas ao arredor de Paulo não o aceitam mais. Não o entendem, pois desejam que seja o Paulo de antes. Desejam que ele reaja como o esperado. Mas o retorno já não é mais provável.
Aqui entra outra temática: a de como somos moldados pelo externo. De como a imagem que os outros tem sobre nós faz parte de nossa identidade. Somos capazes de interpretar os sentimentos que causamos nos outros. Assim, os outros são como um espelho e nós nos vemos refletidos (algo beeem semelhante ao que Charles Cooley propunha em sua ''teoria dos espelhos'').
Para além disso, é interessante pensar que, quando nos expomos ao outro, tentamos modular, auto-afirmar ou recusar uma imagem de nós mesmos. Um exemplo bom seria o seguinte: Falo que sou triste no intuito de confirmar ou modular esse elemento de minha personalidade. Eu estou triste? Eu sou triste? O que o outro pensa disso?
Toda a pressão que Paulo sente no livro o modula. Em certo momento, ele começa a pensar que o próprio psicólogo poderia querer mudar seus pensamentos e sua forma de agir. Como se tudo fosse manipulado. E só essa impressão de manipulação já é o suficiente para deixar Paulo perdido. Para modificar Paulo por inteiro.
O livro não acontece nada. O que vemos, na verdade, é um processo de aceitação. Um processo de se entender, entender a circunstância em que está e, enfim, tentar se adaptar. Se modular. Seguir.
Mesmo dentro de um retorno, as coisas mudam.
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