@pacotedetextos 09/05/2016O precursor dos emos?EU e Outras Poesias é um clássico da literatura brasileira.
Augusto dos Anjos, paraibano, morreu aos 30 anos, na flor da idade, juveníssimo (preciso dizer que essa é a minha idade?). Em vida, publicou apenas EU, um livro com 56 poemas. Ao morrer, um amigo seu juntou a obra publicada com muitos outros poemas não reunidos em livro pelo autor e publicou EU e Outras Poesias - que é, portanto, uma coletânea póstuma de praticamente tudo (vai que descobrem algum inédito dele, né?) escrito por ele.
Particularmente, considero Augusto dos Anjos o precursor dos emos. Afinal, quem mais seria reconhecidíssimo como o autor dos versos
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja
(Versos íntimos, p. 85)
E o que dizer de:
O amor, poeta, é como a cana azeda,
A toda a boca que o não prova engana
(Versos de amor, p. 75)
Ele tinha uma verdadeira obsessão pela morte, pelo pessimismo, pelo niilismo (dedicou, inclusive, um poema a Nietzsche)! Não sei o número de vezes que a palavra "morte" aparece nos seus poemas - se alargarmos para os demais vocábulos do mesmo campo semântico, esse número cresce exponencialmente.
Alguns o consideram simbolista; outros, parnasiano. Ferreira Gullar, por sua vez, prefere dizer que ele foi um pré-modernista. Para mim, ele foi tudo isso.
Afinal, o trato com as palavras, a sonoridade, a sugestão, o misticismo, a preferência pelo soneto clássico (parafraseando um "sábio (sic) contemporâneo": 99% de seus poemas são sonetos, mas aquele 1% não é) e, principalmente, a escolha de palavras "apoéticas" (o que é poético? o que é poesia?) são algumas das características de sua obra, razão pela qual não se pode enquadrá-lo em apenas uma das "escolas" literárias brasileiras.
Mas como assim "palavras apoéticas"?
Ora, quem ousaria, no começo do século XX, colocar num poema as palavras "verme", "escarro", "amoníaco"? Quem escreveria
Eu, filho do carbono e do amoníaco,
Monstro de escuridão e rutilância,
Sofro, desde a epigênesis da infância,
A influência má dos signos do zodíaco
(Psicologia de um vencido, p. 16)
Apesar disso, Augusto dos Anjos também escreveu sobre o sexo (e temas correlatos), demonstrando uma grande tara por mulheres da vida (basta olhar os títulos O lupanar, A meretriz), e sobre coisas "banais" (v. À mesa, A aeronave).
Em suma: ele escreveu sobre MUITA coisa, mas esteja preparado, ao ler esse livro, para lidar bastante com uma obsessão por Tanatos. Como eu estou numa fase mais positiva da minha vida, dei uma lida rápida em muito poema "corta-pulso", que não me atraiu. Pode ser que com você ocorra diferente, afinal, "ninguém doma um coração de poeta"!
RECOMENDO - mas não o leia se você estiver pra baixo, ele vai derrubá-lo ainda mais.
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