brunossgodinho 13/04/2020Dostoiévski: o avesso de Tolstói?O primeiro livro de Fiódor Dostoiévski que li foi
Memórias do subsolo, na edição da Hedra. Fiquei impactado na época pelo cinismo do narrador-personagem, a possessividade e um estado quase convulsivo de suas vontades.
O idiota é apenas minha segunda leitura, feita como exigência do
Desafio Livrada de 2020, na categoria final de livro obrigatório.
Nesse romance, longuíssimo e cuja ótima introdução de Paulo Bezerra nos dá uma melhor perspectiva do ritmo a ser imprimido na leitura, a sociedade aristocrática russa é exposta pelas ramificações da vida de um sujeito. O fundo religioso não deveria ser deixado de lado, mas o farei para comentar aquilo que mais me chama atenção nas leituras de Dostoiévski que fiz até o momento: seu distanciamento do outro mestre russo, Liev Tolstói.
De Tolstói, até o momento, li a primeira metade de
Guerra e paz. A leitura foi interrompida por perder meu exemplar numa enchente. Mas, meio livro bastou para assegurar minhas impressões. A vida em Tolstói é bela. Pode ser melancólica, mas ela é valorizada por seus bons momentos. O grande épico das famílias aristocráticas de Tolstói demonstra o heroísmo de uns, a covardia de outros, o suplício de muitos. E esses temas podem ser encontrados em Dostoiévski, mas quase como se fossem vistos de baixo... De uma perspectiva infernal.
A vida em Dostoiévski é dura. Difícil, atarefada, atabalhoada e rápida. As coisas ocorrem quase como se fora do controle das personagens, mas, apenas quase. A chegada do príncipe Míchkin movimenta e, principalmente, azucrina a vida da aristocracia e dos tipos mais duvidosos que circulam nas grandes
datchas. Míchkin desestabiliza as vidas das pessoas porque seu caráter e sua índole são demasiado diferentes daqueles que imperam entre as famílias envolvidas em sua vida. A vida parece um inferno, o
Bad Place da série da Netflix em que as pessoas vivem juntas para se atormentarem. Tudo que se faz desagrada a alguém, em alguma medida. Mas, em algum momento, fugidio que seja, ainda se encontra algum lampejo de uma ascensão, da redenção tão sonhada por quem vive imerso nesse ambiente caótico.
Nos dois grandes nomes da literatura russa (entre tantos outros, é verdade), sinto encontrar visões e tratamentos totalmente diferentes da vida, mas com muitos eixos comuns. De fato, é quase como se um fosse o avesso do outro, na escrita e na vida. E ambos são igualmente valiosos, tocam nossas questões mais pessoais e íntimas de maneira tão diferente, mas absolutamente necessária.
O idiota, enfim, é um grande romance e uma leitura à qual um retorno não faz nada mal.