José Ricardo 13/08/2013
Quem é o Lobo que habita em você?
O Lobo da Estepe é um clássico da Literatura Universal, publicado em 1927. A obra, ao lado de Sidarta e Demian, contribuiu para que o autor, Hermann Hesse, em 1946, recebesse o prêmio Nobel de Literatura.
O Lobo da Estepe narra a vida de Harry Haller, um sujeito próximo aos 50 anos, mesma idade de Hesse quando a escreveu, daí por que se diz que tem forte conteúdo autobiográfico, o que fica sugerido pela aliteração entre os nomes do personagem e do autor (H.H.).
O título do livro O Lobo da Estepe já fornece algumas pistas sobre o conteúdo da obra. Como se sabe, o lobo da estepe, ao contrário dos demais lobos, é aquele que caça solitário, e não em matilha. Não por acaso, o personagem principal – Harry Haller – é um misantropo, ou seja, um sujeito que tem aversão à sociedade e aos relacionamentos interpessoais; discorda e se incomoda com os clichês daquilo que ele nomina burguesia, mas que, no contexto atual, pode ser melhor compreendida pelo o homem médio, os hábitos e o senso comum que orientam a maioria das pessoas.
O livro apresenta três perspectivas diferentes. A primeira do sobrinho da dona da pensão onde Haller permanece hospedado por certo período. Trata-se, precisamente, do primeiro capítulo livro, que aparece com o título “Prefácio do Editor”. Neste, o narrador faz uma abordagem de Haller sob seu ponto de vista, ou seja, do homem médio da sociedade. Para o narrador Harller é uma pessoa muito estranha e de hábitos incomuns, o que o deixa intrigado e o motiva a tentar saber mais sobre aquele sujeito. Sua busca e conclusões serão expostas paulatinamente no texto.
No capítulo seguinte, o livro passa a ter a narração do próprio Haller, cujo subtítulo vem a ser “só para loucos”. Neste capítulo estão o rancor, a decepção, a frustração, o ódio e a violência reprimida de Haller para com a sociedade. Haller é um antibelicista, ecológico, pacifista, embora, paradoxalmente, traga em sua personalidade traços de racismo e "pré-conceitos", embora não de forma consciente.
A narrativa logo adentra para o realismo fantástico, o surreal, o nonsense, sobretudo quando Haller sai da pensão e passa a transitar pelas ruas e a se relacionar com outras pessoas. É neste contexto que ele adentra no “Teatro Mágico”, cuja entrada contém o título “só para raros”. Ali Haller encontra o músico Pablo e Hermínia, os quais, mais uma vez, indicam ser “alter egos” do próprio Hermann Hesse. Vale destacar, neste ponto, o nome Hermínia que fala por si...
Os diálogos que daí vão surgir são para lá de interessantes, polêmicos, controversos e paradoxais, como é o próprio ser humano; ao menos, na visão do autor. No "Teatro Mágico" Haller também encontra Goethe e Mozart, com os quais, em oportunidades diversas, mantém diálogos densos, e disso acaba por ser instigado a conhecer um pouco mais da natureza humana e, assim, de si próprio.
Além dessas duas perspectivas de narração, ainda no começo do livro, aparece outra. Trata-se de um livreto que é entregue para Haller no “Teatro Mágico”, sob o título "Tratado sobre o Lobo da Estepe”, cuja autoria é incerta. Lobo da estepe, a propósito, era como Haller costumava se autodenominar; uma espécie de lado instintivo do personagem. No livreto há uma análise psicanalítica profunda e reveladora da personalidade de Haller, e não há como não se identificar em muitas passagens desse “tratado”.
O fato é que neste cenário nonsense, Haller não irá passar ileso, especialmente quando é acusado de manchar o “Teatro dos Mágicos” com nódoas de realidade. A punição irá extravasar os limites do racional.
O final, da mesma forma, é surpreendente e significativo para qualquer leitor. Uma lição de vida e sem clichês. Muito longe disso, aliás. Enfim, como esclareceu Hermann Hesse, em 1961, o Lobo da Estepe não foi bem compreendido. Para Hesse, Haller não é o retrato de um homem em desespero, mas de um homem que crê e busca a redenção.