DIRCE 20/07/2023
Até parafraseei Drummond
Quando li a sinopse do livro "Kafka e a boneca viajante", pensei: preciso ler, preciso muito.
Dora Dyamant que vivia com ao Kafka conta que o autor manteve contato com uma menina que encontrou em um parque chorando porque ela perdera sua boneca.
Para consolar a menina Kafka disse que sua boneca tinha viajado e, para sustentar essa mentira , durante três semanas ele escreveu cartas para a menina se passando pela boneca.
Bem, as cartas constantes do livro, não foram as cartas escritas por Kafka e , sim, por Jordi Sierra, escritor espanhol (1945). Confesso que as cartas do escritor espanhol não chegaram a me emocionar, porém quando chegou ao final ...Ora, o final é meu.
Jordi Sierra esclarece que Klaus Wagenback, um estudioso de Kafka , fez buscas próximo ao parque para saber do paradeiro da da menina, interrogou vizinhos e até colocou anúncios nos jornais , porém não obteve sucesso.
Seria uma lenda? A história da Elsi, a menina do livro pode ser, mas a meus aquela que vou contar podem acreditar que não é, tampouco uma mentira.
Eu acho que o Kafka deve ter se materializado no ano de 1958. Só pode.
Contava, eu, com seis anos de idade e, em uma noite fria de inverno, meus pais me levaram a uma Festa Junina da igreja a qual frequentávamos e, lá, estava havendo uma quermesse - uma festa para arrecadar fundos para a igreja. As pessoas compravam rifas, uma roleta era girada , parava em um número qualquer e a pessoa de posse da rifa com o número sorteado era premiada com uma boneca. Havia um senhor que comprava muitos números e é claro que ele ganhava as bonecas. Cada boneca que ele ganhava ele dava para uma menina. De repente, não mais que de repente ele me diz: a próxima será a sua. Já deu para imaginar? E o homem ganhou mais alguma boneca? Recordo-me como se fosse hoje. Eu estava à beira de cair em um choro sentido, quando ele me disse: não fique triste, amanhã levo uma boneca para você em sua casa, onde você mora? Não sei dizer se eu sabia o meu endereço. Provavelmente não. Minha mãe deve ter dado o endereço ao senhor.
Voltamos para minha casa e minha mãe me dizia: não acredite na promessa do homem, ele só falou isso para você não ficar triste.
Mas pasmeeemmm. No dia seguinte, minha avó gritou: tem um senhor procurando a Dirce ( morávamos no fundo do quintal da minha avó) eu sai correndo e minha mãe atrás de mim ( acho que minha mãe foi um verdadeiro The Flash para conseguir me alcançar). Genteeeeeeeeee, era a boneca mais linda que eu já vira. As bonecas da quermesse eram espantalhos perto dela. O senhor não fez a promessa só para me consolar, ele fez uma promessa com a intenção de cumpri-la.
Apesar de não ter mais a boneca cheguei ao final deste relato pensado no poema Infância do Drummond:
Infância
Meu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé,
comprida história que não acaba mais.
No meio-dia branco de luz uma voz que aprendeu
a ninar nos longes da senzala - e nunca se esqueceu
chamava para o café.
Café preto que nem a preta velha
café gostoso
café bom.
Minha mãe ficava sentada cosendo
olhando para mim:
- Psiu... Não acorde o menino.
Para o berço onde pousou um mosquito.
E dava um suspiro... que fundo!
Lá longe meu pai campeava
no mato sem fim da fazenda.
E eu não sabia que minha história
era mais bonita que a de Robinson Crusoé.
Eu me permito parafrasear Drummond para dizer que minha história é mais bonita que a da Elsi.