spoiler visualizarjmrainho 14/05/2016
Contra contra um Mundo Melhor
Estudar as vezes nos torna estúpidos. É a impressão que temos ao ler o livro do ex-médico (ou nunca médico) e filósofo e professor Luiz Felipe Pondé. Com os minutos de fama como colunista na Folha de S. Paulo fez esse livro de coletânea onde goza com as crenças alheias. Depois de estudar tanto filosofia e adotar o lema hipócrita do "eu sei que nada sei", mas procurando saber de tudo e afirmando que todos os saberes alheios são estúpidos, como por exemplo cuidar do corpo e se alimentar de forma natural, Chama de "marketing do comportamento" a busca das pessoas por melhores opções de vida. Pondé deve ser uma pessoa pé no saco de conviver. Lembra aquele aluno medíocre. E por ser medíocre e não conseguir acompanhar os estudos e os colegas, critica a todos. A falta de fé é uma crença fundamentalista.O autor prova isso nos seus ensaios que podem ser lidos antes de se matar.
Os branquelas da Folha de São Paulo, sem vida sexual (como disse um dia Caetano Veloso) adoram esses tipos "contestadores" do cotidiano, com a profundidade do abismo. Como não se posiciona em nada, adota o lema do vale tudo. "Tudo é permitido", lema do pseudo místico Gurdief.
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TRECHOS
"O que eu sei aos 60, sabia aos 20: 40 anos de um longo e inútil trabalho de verificação " . Émil Cioram;
(A universidade) quer burocratas medíocres que se escondam atrás de grandes teorias para não confessar sua insegurança diante da temida falta de sentido da vida e de sua matéria concreta, o envelhecimento. Não controlamos a vida. Grandes planos podem dar em nada, ter fé pode levar você ao fracasso, acreditar em si mesmo pode levá-lo a erros definitivos, escolher ficar rico pode ou não dar certo, ter muito dinheiro pode sim garantir pessoas ao seu redor amando-o (Nelson Rodrigues dizia que dinheiro só compra o amor verdadeiro) ou pode levá-lo à solidão - enfim, não há garantias. É por isso que o normal é ser inseguro, mentiroso, covarde, e não santo ou corajoso.
A vida é dura e parece não ter sentido, leia livros de autoajuda, tome remédios, faça meditação por cinco minutos. E por isso valeria a pena ler livros autoajuda. Acho essa literatura não vale a pena, melhor sofrer sendo gente do que sorrir sendo uma pedra burra.
É conhecida a hipótese de que a inteligência judaica o centro-leste europeu, na virada do século XIX, teve um cenário privilegiado para desenvolver uma consciência particularmente negativa (em termos dialéticos, o momento negativo é aquele propriamente crítico, antes do restabelecimento de uma nova tese) perante o fracasso da modernidade em realizar suas promessas. Essa condição teria sido responsável pela atmosfera "pessimista" que parece surgir quando lemos obras de autores judeus como Adorno, Horkheimer, Benjamim, Rosenzweig, Buber, Strauss, Kafka, Freud, Marx.
O que nos torna humanos são nossas desgraças. Por isso, uma sociedade que faz estilo de "utilitarista dos afetos", movida por uma geometria do útil, como a nossa, em que quase todo mundo carrega o rosto idiota de quem vive buscando a felicidade, se desumaniza a medida que se faz estrategista eterno do sucesso existencial. O fracasso é que torna o homem confiável. Imagine se Hamlet só quisesse ser feliz?
Nelson Rodrigues costumava falar que vivemos numa época dominada pelos idiotas. Antes de tudo, eles são maioria esmagadora e, como a democracia é um regime fundamentado na maioria, são vencedores pela simples força numérica. A luta contra os idiotas é um trabalho perdido. Falam demais. Acreditam que, apenas porque tem boca, podem emitir opiniões sobre tudo. Quando se sofisticam, isto é, quando atingem um nível de cartão de crédito mais "exclusivo" ou "esquentam" seus diplomas tirados em universidades periféricas, tornam-se mais ruidosos.
Ser indivíduo é ser órfão de qualquer referência de tradição como fundamento de seus atos e suas escolhas. É ser Hamlet. É ser Jó. É escolher contra um cenário sem referências, numa solidão cósmica absoluta.
Nietzsche pensou como "super-homem" alguém que é o único responsável por seus valores e suas decisões, marchando em sua solidão contra a indiferença cósmica e histórica.
Woody Allen (Crimes e Pecados, Match Point, Cassandra´s dream) gira em torno desta indagação: o universo é moral ou indiferente ao drama humano da consciência ética?
Nosso destino e o destino dos deuses e das deusas são predeterminados, não há liberdade real. As moiras, aquelas senhoras quase cegas, tecem o destino, do qual jamais alguém escapa. Muitas vezes, pensando em fugir do seu destino (Édipo Rei), estamos sempre indo em direção a ele. (...) Como diria o filósofo alemão Horkheimer no século XX: somos uma raça de exilados abandonados À própria má-sorte, ninguém "cuida" de nós. É a falta de sentido moral último do mundo (ou seja, a insuficiência do mundo no sentido kantiano).
Para Lucrécio, a realidade última das coisas é o acaso a "natureza das coisas". é não ter natureza alguma. Não há uma ordem que produziria algum sentido esperado no mundo e na vida. Nada está indo para lugar algum. O acaso desarticula qualquer esperança no sentido das coisas. Por exemplo, uma escolha errada pode arruinar sua vida, mas a escolha oposta também, sem garantias. (...) ter o não ter filhos, trair ou não sua esposa ou marido, mentir, roubar, pouco importa porque "quem" arruma os dados do jogo é cego e não "é" propriamente ninguém, mas apenas o acaso.
As virtudes máxima na tragédia são a coragem e a humildade:humildade de se saber em nada, coragem de se manter de pé sabendo-se sempre derrotado.
Em Shopenhauer, "Deus é perverso". Uma vontade sem fim, essência perversa do universo e do ser, que tudo destrói em seu movimento acóscimo (em filosofia esse termo sempre representa a negação última de qualquer ordem no cósmico).
Entre os primeiros cristãos (gnósticos, séc II e V), afirmavam que o deus criador do mundo é mau (o "demiurgo") e que a criação é um cárcere de torturas intermináveis. Aqueles que despertavam para essa realidade, "os que sabem" (gnóstico significava isso), eram os únicos (os "solitários") a ouvir a voz do salvador, chamado muitas vezes Cristo nesses textos. Ao despertarem, percebiam então que o mundo não tem qualquer salvação e que sua essência é o mau porque seu criador é incompetente, perverso, mentiroso, paranoico e cruel.
Vale lembrar que a noção de destino na religião grega estava firmemente ancorada na condição mortal dos homens. O destino era para eles a morte inevitável, daí a ausência de liberdade, porque não podemos não morrer. É outra coisa ainda quando cremos que fomos criados por deuses não maus em si, mas que apenas se divertem conosco a partir de suas paixões grandiosas ou mesquinhas.
Serei eu capaz de resistir à imposição do pessimismo quando meu otimismo físico chegar ao seu esgotamento?
A covardia e o amor à rotina acomodam mais os homens ao crime coletivo e social do que a força das ideias. Em nome de um emprego melhor, em nome de sentir menos medo diariamente, em nome de conseguir melhor qualidade de vida, aceitamos qualquer crime. Toda discussão sobre o massacre nazista (ou qualquer outro) esbarra no fato de que nós, hoje, gostamos de pensar que não faríamos a mesma coisa que aqueles homens e mulheres fizeram.
O pensador americano Henry Adams, do século XVIII dizia que um professor é um empregado encarregado de contar mentiras às crianças e de velar verdades aos adultos.
"Quem é esse que tem os meios para por fim à sua privação, para dar-lhes uma ilimitada profusão de satisfações, e não o faz? Não é esse mesquinho Deus? Não somos nós as vítimas inocentes de uma conspiração cósmica? Ou, se não isso, ao menos vítimas de uma criminosa injustiça distributiva?" Michael Oakeshortt, Torre de Babel.
Já o filósofo espanhol Ortega y Gasset falava da miséria das massas nas universidades, transformadas em praças de técnicos que confundiam diploma com frustração, fosse eles professores ou alunos.
Muitas vezes me pergunto onde vai parar um mundo em que se repete à exaustão que todos tem algum talento. Mentira. Mas, afinal, o que é a vida senão se ocupar de coisas e, ao final, tornar-se mais uma coisa no chão de terra que nos cobrirá a todos?
E aí haveria uma inversão: os covardes teriam desaparecido pelo simples fato de que não haveria mais esperança.
É longo o caminho que vai das trevas à luz. John Milton
"Heróis homéricos. A estes, o tempo só pode afetar exteriormente, e mesmo isso é evidenciado o menos possível; em contraste, as figuras do Velho Testamento estão constantemente sob a dura férula de Deus, que não só as criou e escolheu, mas continua a modelá-las, dobrá-las e amassá-las, extraindo delas, sem destruir sua essência, formas que a sua juventude dificilmente deixava prever. Pois eles são portadores da vontade divina, e mesmo assim, são falíveis, sujeitos a desgraça e humilhação - e em meio à desgraça e à humilhação manifesta-se, através das suas ações e palavras, a sublimidade de Deus. Dificilmente um deles não sofre, como Adão, a mais profunda humilhação..." Erich Auerbach, Mimesis,
Escolhê-los, dobrá-los, amassá-los. Essa é a catástrofe. Classicamente associamos Jó ao problema da teodiceia (a tentativa de justificar o mundo racionalmente, como faz Kant)