Gabriela 11/01/2024
Uma história mágica e muito triste.
É difícil resenhar uma obra tão extensa, tão cheia de detalhes e significados como Cem Anos de Solidão. O que eu posso dizer que todo mundo já não disse? Que demorei demais pra ler pela primeira vez - e que talvez essa tenha sido a decisão certa. Juntar muita bagagem pra conseguir aguentar o peso dessa história.
Não temos um personagem central ou principal. Talvez eu possa dizer que a família Buendía é o personagem principal? Isso não soa completamente certo. Quem sabe o Coronel Aureliano Buendía seja o principal? É ele que mais "aparece" durante a história. Muitas coisas acontecem ao redor da existência dele, das crenças dele e da herança dele. Mas também temos a Úrsula, que perdura do início até quase o finalzinho da história, passando dos 100 anos de idade. Mesmo assim, nenhum deles é a estrela dessa história. São personagens que aparecem, têm seu destaque, sua influência nas gerações seguintes, e depois vão embora. O livro vai narrar 100 anos de história da família Buendía - nascimentos, mortes, casamentos e tudo que ocorre nesse meio tempo (e tem MUITA coisa...).
Acho que, no geral, é uma história sobre circularidade, sobre repetições, sobre hereditariedade. O tempo todo somos lembrados de que o tempo é circular, que a vida corre em círculos, tudo se repete o tempo todo, e vai continuar sendo assim até o último de nós morrer. Filhos repetem o comportamento dos pais, que por sua vez já repetiam os comportamentos dos próprios pais, e assim segue a vida, num eterno círculo.
Acima de tudo, é um livro muito triste. Um bom exemplo dessa tristeza é o relato que Márquez faz do massacre feito pela United Fruit Co. É muito angustiante a maneira que ele nos mostra como funciona uma ditadura. Corajoso até o último fio de cabelo, ele pega a responsabilidade dessas mortes para si, e usa seu livro pra fazer uma denúncia tão bem escrita, tão bem explicada, que hoje se tornou parte das pesquisas científicas sobre o assunto. Um gênio, simplesmente.
Ele consegue capturar algo vital da experiência histórica/social de milhões de pessoas na América Latina e no mundo (pelo menos, de países colonizados). Ele abre as portas - a chute - para que o mundo enxergue a realidade latino-americana, com toda sua beleza e horror. Trazendo assim destaque e liberdade para os futuros escritores latinos que precisavam desse pontapé inicial pra conseguir mostrar quão rica é a nossa cultura - ainda que a literatura latina não seja a mais difundida no mundo.
A grande dualidade da história pra mim é a briga eterna entre magia e realidade. Enquanto a história é completamente mágica, cheia de superstições, encantamentos, misticismo - o que a torna muito colorida, engraçada e atraente - ao mesmo tempo é uma história de muita morte, abandono e tristeza. Sentimos o tempo todo a solidão do título. Todos, absolutamente todos os membros da família Buendía foram pessoas solitárias e ensimesmadas. Apesar de habitarem nesse cidade mágica, cheia de elementos fantásticos e acontecimentos incríveis, a realidade das personagens é muito triste, regada de mortes violentas e frustrações.
Apesar disso, a história não deixa de ser muito engraçada e agradável de ler.
Deixo um destaque para a cena final do livro, os últimos parágrafos, que pra mim foram quase como um filme. Nesse momento da leitura eu parei e pensei "masterpiece". Foi o final perfeito, o fechamento correto pra esse tipo de história. Sem spoilers, posso dizer que é uma cena linda, triste, e muito forte que representa completamente o que foi o livro todo.
Não é um livro fácil de ler, com tantos personagens, tantos nomes iguais, atitudes iguais, mil e um acontecimentos sendo contados simultâneamente a cada capítulo... Mas também não é uma leitura difícil. Eu diria que é uma leitura exigente, e vale a pena todo o esforço. Creio que seja a maior obra de arte do García Márquez.