Tamirez | @resenhandosonhos 19/08/2018Peter PanEu já tenho meus bons 26 anos, muito tempo se passou desde a minha infância e nem tudo que eu li ou vi foi devidamente catalogado. Dessa forma, eu não tenho certeza se em algum momento eu cheguei a conhecer a história “original” de Peter Pan, ou se meu contato se restringiu a adaptações, e filmes/animações lançadas. Quando o livro chegou pra mim, fiquei curiosa por ler a história, pois por mais que tivesse o contexto geral estabelecido na minha cabeça, havia um gap enorme de informações.
E, qual não foi a minha surpresa, quando ao ler o original encontrei uma história com um peso bem diferente daquele que existia em minha cabeça. A primeira e mais forte das impressões é em como os personagens são menos “santos” do que quando olhávamos pra eles em nossa infância. Peter Pan e Sininho chegam a ser maus e cruéis em vários momentos, e isso me levou a uma série de pensamentos.
“Sininho não era só maldade; melhor dizendo: ela era só maldade naquele momento, mas por outro lado elas às vezes era só bondade.”
Como somos inocentes quando crianças para não ver maldades, foi um deles. Sininho, por exemplo, é uma personagem por vezes egoísta e mesquinha. Ela não quer dividir a atenção de Peter e está disposta a matar pra isso. Mas nas adaptações e na imaginação das crianças ela é uma fada bonitinha e amável. Peter é outro que não fica pra trás. Ele parece ser mau e traiçoeiro, querendo enganar os meninos e Wendy a ficarem com ele, distorcendo histórias e impondo seus desejos.
Ele é um personagem que até é possível considerar, já que ele está vivendo na Terra do Nunca há bastante tempo e isso pode ter influenciado em sua personalidade. Ele também é esquecido e vira e mexe está perdendo a conexão de tempo ou de pertencimento das coisas. Peter tem um grande inimigo, que é o Capitão Gancho, e vamos ter ele na trama original duelando com o garoto, e também com os pele-vermelha, outro grupo que vive nesse lugar. Há algumas batalhas durante o livro e momentos até sanguinários onde o “eu vou matar ele” ou “já matei várias pessoas” é trazido a tona como um ato a ser parabenizado.
“Toda criança se sente atingida desse modo na primeira vez que sofre uma injustiça. Quando ela chega até alguém, acredita piamente que é seu direito ser tratada com justiça. Depois que você lhe faz uma injustiça ela voltará a amá-lo, mas nunca mais será a mesma criança.”
Não acho que essas coisas desmereçam o livro, mas me colocaram pra refletir como nossa visão das coisas muda com o tempo. Eu, lendo Peter Pan hoje em seu original, não o qualificaria como uma obra para crianças de qualquer idade. Também há o tópico de “brincar de mãe e pai”, quando Wendy assume o posto de mãe e Peter seria o pai em suas obrigações. Só uma simples insinuação dos termos (e suas implicações) levantaria um enorme debate nos dias atuais, mas não vou entrar no tópico aqui.
O que quis trazer com o levantamento dessas questões é que mesmo anos depois, quando você acredita que não pode mais ser surpreendido por uma história que acha conhecer de trás pra frente, ela pode ter algo que você desconhece. Peter Pan não é só um clássico mundial, mas também infantil e que apresentou um mundo que hoje se interliga com outros tantos mundos que derivam de outras histórias. Um exemplo de adaptação é a série de TV Once Upon a Time, que junta todos os personagens clássicos da infância em um mundo só e apresenta sua essência, mas com tramas por vezes bem distantes das originais.
Essa edição da Martin Claret, além de estar muito bonita com todas as ilustrações, também está cheia de notas de rodapé com explicações. As que mais gostei foram as que falavam do caráter pessoal com o qual o autor nomeava alguns personagens e de como vários deles representam pessoas da sua vida.
Algo que é notável na obra é a representação da inocência das crianças e de sua capacidade de brincar com o “faz de conta”. Todos nós já fomos crianças e esquecendo todo o papo sobre as implicações não tão infantis da história, tenho certeza que conseguimos voltar no tempo (e as vezes nem precisa ir tão longe assim), e encontrar aquele mundo mágico que inventamos, algo que criamos em nossa cabeça e praticamente se tornou real. J. M. Barrie brinca muito com isso, e é muito legal ver nas páginas um reflexo de algo que já fomos.
E, claro, que criança não gostaria de viver em um mundo faz de conta? Onde acreditar é o bastante pra se tornar real? Não crescer é o desejo de muitos, mesmo que quando crianças pensemos ao contrário às vezes, quando adultos desejamos não ter crescido tão rápido.
Peter Pan habitou a nossa infância e provavelmente fará parte da juventude de muitas crianças e, como todo clássico, merece ser conhecido e lido. Em uma era que tudo se refaz e adapta a todo momento, nada melhor do que dar uma espiada na história original pra por tudo sob nova perspectiva.
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