JAssica.Bertoldi 11/05/2021
"Que esteve preso por se negar a cruzar os braços quando seu povo teve fome, dor e sofreu injustiça."
É além de um livro sobre a ditadura Uruguaia, além do viés político esquerdista, vai além de qualquer preconceito, qualquer opinião e lado partidário. É sobre amor, fraternidade, força e relações humanas. Mas também sobre dor, sobrevivência, luta, prisões físicas, morais e emocionais.
A carga das palavras e do enredo de uma esposa em conflito que espera seu marido sair da prisão, a filha que se descobre como um ser cidadão à partir da represália que sofreu seu então herói, o pai; o corpo e mente idosas de um pai que indaga dia e noite sua existência como útil. E Santiago, o marido, o pai e o filho, em cárcere, prisão motivada simplesmente pela sua luta, pelas suas palavras de resistência, não só palavras mas corpo, que através de cartas nos mostra vivo e livre dentro das grades que cheiram a morte.
Ler uma menina interiorizar um mundo desconhecido do seu jeito é o alívio cômico e doce dessa obra, apesar da circunstância inesquecível de um país, um povo, um pai, é através da doçura e inocência dessa menina que vemos onde nasce a vontade da revolução que cresce junto de nós desde cedo.
É lendo um homem feito, de idade, quase que no seu fim de vida assim por se dizer, vendo ele se questionar das suas opiniões, ver que ainda há medo, angustia e dúvidas numa alma vivida, mas que também há amor, que então compreendemos as raízes da vida, e que seu final não é o fim, que seu envelhecimento não é velho, que sua jornada começa onde acaba.
Lendo um homem de coragem, sangue que corre revolução, paixão pela esposa, amor pela filha, preso por suas ideias políticas, torturado física e mentalmente, que ainda possuí o voo livre de espírito quando tudo são celas e paredes fechadas, que ainda quer luta numa sociedade onde a voz é sinônimo de suicídio, que não esquece seus princípios e forças mesmo quando tudo que há ao seu redor é vazio, penumbra e solidão. É assim que vejo que a prisão vai muito além do cárcere e das correntes apertadas.
Em meio a tudo isso, toda essa bagagem de historicidade e reflexões ainda tem um fato que reside ali, que nos questiona, questiona nossa ideia de imoral, o que faríamos? O personagem está certo ou errado?
Pode ser que pra alguns a escrita de Mario Benedetti não seja fluída, mas na minha percepção pessoal, este não é um livro de pressas, é preciso esquadrinhar entrelinhas e significados ambíguos para entender o background da história, que é grandioso e necessário.
Mas como nem tudo é perfeito, o final é aberto, apesar de todas as conclusões óbvias que o livro nos direciona, ainda fica a dúvida que nos faz ficar pensando na obra, o que talvez seja a intenção, a mágica de se fazer algo se prender a sua memória. Porém, no meu ver, o livro é tão recordável, há tantas características que fazem esse cenário nos acorrentar a ele que esse final aberto não era necessário, sendo assim sinceramente não me agradou, gostaria de um desfecho mesmo que "negativo". Mas nem por isso deixa de ser uma leitura válida e rica.
"Quando se faz um ruído em Epidauro
Se escuta mais acima, entre as árvores
Em pleno ar."
- Roberto Fernández Retamar