Craotchky 31/10/2017De profundis"Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome."
Comecei a escrever este texto. Logo percebi o quanto seria difícil. Aí desisti. Depois voltei. E acabei.
Este foi o primeiro romance de Clarice que li. Antes havia lido um livro de contos, Laços de família, que pouco chamou minha atenção. Sei lá, talvez os limites de extensão impostos pelos textos mais curtos impossibilitassem Clarice de atingir a intensidade/profundidade que ela consegue colocar num romance.
(Por favor, sou leigo em Clarice, pouco ainda li dela e não posso fazer afirmações; não sei se os outros contos e romances seguem esse padrão. Em suma, não sei se todos os romances são mais profundos do que os contos.)
Há, neste livro, uma inundação de metáforas abstratas. Para quem gosta, como eu, é um prato cheio. Clarice explora, e muito, o interior das personagens, não seu exterior. Às vezes é como se o enredo servisse somente como pretexto para ela (Clarice) mergulhar nela mesma, falar de si e de suas impressões do mundo ao seu redor. Ao menos tive essa impressão em vários momentos. De vez em quando ela sai da terceira pessoa e vai para a primeira e isso me pareceu corroborar com essa impressão.
É mais ou menos assim: Imagine que Clarice lhe pega pela mão e o conduz para um passeio por uma praia paradisíaca. Em certo momento ela lhe leva para a água, para um banho relaxante e renovador. De repente ela some e deixa você sozinho, em alto mar. Você começa a ficar desorientado. Agora você já não sabe onde está nem como chegou lá. O mar se agita, ondas enormes se formam; você está agora num caótico oceano de metáforas, analogias, divagações, devaneios.
Por vezes eu mergulhava, afundava, submergia, e então abria meus olhos lá embaixo e conseguia ver, mas nunca com clareza, limpidez; sempre via através da água turva, nebulosa. Outras vezes faltava-me ar e então eu subia, emergia, e ficava à deriva, boiando, sem saber se conseguira atingir as profundezas mais inacessíveis do texto.
O final me pareceu uma névoa espessa, disforme, um borrão. Estava como que dopado, embriagado, alheio, afogado pelo oceano de Clarice.
Enfim, Clarice não é para qualquer um, é preciso ter sensibilidade, capacidade para abstrair, divagar; é necessário um distanciamento do real, do material, do sólido, do concreto. É preciso prender a respiração, mergulhar, ir o mais fundo que conseguir, e abrir os olhos lá embaixo. Tentar ver algo.
Não é fácil.
E pensar que este livro foi escrito quando ela tinha algo em torno de vinte anos...
"Sinceramente, eu vivo. Quem sou? Bem, isso já é demais."