Adriano 23/04/2020
Retrato do artista quando miserável
Adoro Bukowski.
Factótum entra na lista dos que meus preferidos. Completam a lista Misto quente, Numa fria, O capitão saiu para o almoço e os marinheiros tomaram conta do navio e Pulp.
Trecho:
Domingos eram os melhores dias porque eu ficava sozinho e logo comecei a levar uma garrafinha de uísque para trabalhar comigo. Certo domingo, após uma noite de trago violento, a garrafa me pegou. Apaguei. Lembro vagamente de alguma coisa incomum naquela noite, depois que fui para casa, mas não podia ter certeza de nada. Falei para Jan, na manhã seguinte, sobre essa sensação, antes de ir para o trabalho.
- Acho que fodi com tudo ontem. Mas pode ser apenas minha imaginação.
Segui para o hotel e fui até o relógio ponto. Meu cartão não estava no painel. Dei meia-volta e fui até o escritório da velha gerente. Ao me ver, ela parecia nervosa.
- Sra. Farrington, meu cartão ponto não está no painel.
- Henry, sempre pensei que você fosse um ótimo rapaz.
- Como?
- O senhor não se lembra do que fez, não é? ? ela perguntou, olhando nervosamente para os lados.
- Não, senhora.
- O senhor estava bêbado. O senhor trancou o sr. Pelvington no vestiário masculino e não queria deixá-lo sair. O senhor o manteve preso por trinta minutos.
- O que eu fiz com ele?
- O senhor não o deixava sair.
- Quem é ele?
- O gerente-assistente deste hotel.
- O que mais eu fiz?
- O senhor lhe passou um discurso sobre como dirigir este hotel. O sr. Pelvington está há trinta anos no ramo hoteleiro. O senhor lhe sugeriu que as prostitutas fossem hospedadas apenas no primeiro andar e que elas também deveriam se submeter a exames físicos regularmente. Não há prostitutas neste hotel, sr. Chinaski.
-Ah, claro, perfeitamente, sra. Pelvington.
-Farrington.
-Sra. Farrington.
-O senhor também disse ao sr. Pelvington que apenas dois homens, em vez de dez, eram necessários no setor de descarga e que, além disso, os roubos seriam eliminados se cada um dos empregados recebesse uma lagosta viva para levar para casa a cada noite numa gaiola especialmente construída, que poderia ser carregada em ônibus e bondes.
-A senhora tem um ótimo senso de humor, sra. Farrington.
-O segurança não conseguiu fazer com que o senhor soltasse o sr. Pelvington. O senhor rasgou o casaco dele. Foi só quando chamamos a polícia mesmo que o senhor o soltou.
-Presumo que eu esteja demitido?
-Presumiu corretamente, sr. Chinaski.
Caminhei por trás de uma fileira de caixas. Quando a sra. Farrington não estava olhando, segui até a cantina dos empregados. Eu ainda tinha o meu cartão de refeições. Ainda podia arrumar uma última refeição decente. A comida era quase tão boa quanto a que preparavam para os hóspedes lá em cima, sem falar que as porções eram mais reforçadas. Agarrado ao meu cartão, entrei na cantina, apanhei uma bandeja, garfo e faca, um copo e alguns guardanapos. Fui até o caixa. Então avistei aquilo. Atrás do caixa, fixado contra a parede, havia um cartaz branco com uma frase escrita em letras duras e garrafais:
NÃO SIRVAM QUALQUER TIPO DE COMIDA A HENRY CHINASKI
Coloquei a bandeja de volta no lugar sem que ninguém percebesse. Saí da cantina. Segui pelo setor onde as mercadorias eram descarregadas, depois ganhei a viela. Em minha direção veio um outro vagabundo:
- Tem um cigarro, camarada? - ele perguntou.
- Claro.
Tirei dois cigarros, dei-lhe um e fiquei com o outro. Acendi o dele e depois o meu. Ele seguiu para leste e eu, oeste.