Cinthia G 12/11/2012Elite da Tropa é o livro que deu origem ao filme Tropa de Elite, um fenômeno dos cinemas brasileiros que consagrou o ator Wagner Moura como o moderno herói brasileiro Capitão Nascimento e trouxe à tona o debate sobre a segurança pública, violência, política e corrupção existente em nosso país.
Destacando a Tropa de Elite, sem deixar de mostrar o dia-a-dia do combate ao tráfico de drogas e armas, as polícias contra o crime organizado e a guerra existente, as facções criminosas e seu domínio sobre as metrópoles brasileiras (e que controla o interior também).
O duro treinamento do BOPE, suas táticas de guerrilha e seu cotidiano na prática. A verdade que nos aflige de que a corrupção está presente em todas as áreas, incluindo a da segurança pública.
O livro realmente é a origem do filme, porém devo ressaltar que apenas a ideia central e seus principais detalhes foram retirados dele e colocados na versão cinematográfica. Quem assistiu ao filme e espera que ele e o livro sejam idênticos está enganado. O livro é incrivelmente fascinante e tão impactante e duro quanto o filme, mas não são as mesmas histórias. Algumas situações são as mesmas, no entanto, imagino que ao levarem a ideia para a telona o roteiro não foi uma adaptação do livro; o roteiro é uma nova e diferente história, o livro foi utilizado apenas como base principal e inspiração.
Primeiramente lemos a introdução dos autores, onde explicam que apesar de o livro ser ficção e tudo recriado, nomes e locais modificados, é baseado em fatos reais, mas que jamais poderiam ser contados de outra forma que não fictícia. Então eles se reuniram, separaram as ideias e histórias e resolveram reproduzir tudo de uma forma ficcional, inventando nomes e coisas a mais.
O resultado é assustador. Porque o leitor sabe que quase tudo é verdade. Que esta é a dura e incontestável realidade brasileira, principalmente a do Rio de Janeiro, onde a trama ocorre. Quem conhece o cotidiano das favelas de verdade, não apenas pelas notícias da mídia reconhece a verdade no livro; certamente autoridades, policiais, profissionais da área de segurança e integrantes do BOPE imagino que também identificam o realismo das páginas.
Falar abertamente da guerra contra o tráfico e sobre Comando Vermelho e Terceiro Comando, criticar a corrupção que vai da PM até o Governador do Estado, dos "arregos", não é tarefa simples. Falar sobre o cotidiano das operações realizadas dentro das favelas, da violência, dos erros e acertos da PM e do BOPE, não é algo fácil. Criticar fortemente e apontar os maiores culpados dessa violência toda é ousado.
São as classes mais ricas da sociedade. O mesmo "playboy" ou "patricinha" que estuda em boa faculdade e possui até carro próprio são os principais consumidores de drogas e os que sustentam esse mercado negro violento. E são os mesmos jovens que participam de passeatas contra a violência e choram porque sofreram assaltos ou sequestros relâmpagos.
Não é qualquer um que tem a coragem de expor tão claramente isso, assim como o envolvimento da patente mais alta da segurança pública, incluindo políticos como deputados e governadores, com os traficantes chefes.
A crítica não se prende às drogas e armas. Não foram poupadas outras redes lucrativas e ilegais como as máquinas de caça-níqueis, a prostituição e o jogo do bicho.
Com certeza houve um cuidado por parte dos escritores e uma clareza - embora o livro seja ficção.
Após a introdução bastante esclarecedora, existem duas partes e um epílogo. Este estrutura é essencial para a compreensão da obra. Não é um livro fácil de ser digerido e absorvido, não é para qualquer leitor, embora a escrita seja simples.
A primeira parte do livro é uma narrativa em primeira pessoa feita por um integrante da Tropa de Elite. Um negro que estuda na PUC. A narrativa possui como principais características a simplicidade, a dureza e sinceridade. Ele é muito direto ao contar fatos ocorridos durante sua passagem pela PM ou pelo BOPE. A maioria, claro, inquietante e estarrecedora. Até macabra. A todo momento você pensa como é tudo verdade! Embora não exatamente ao pé da letra, mas tudo acontece com frequência.
Eu ainda achei que em certos pontos, o livro (assim como o filme) é brando. Conheço histórias verdadeiras de dentro da favela muito mais assustadoras que essas.
Gostei da forma como ele narra os acontecimentos. Como se ele chegasse, sentasse à sua frente e começasse a desabafar. Como se o leitor fosse um psicólogo e estivesse escutando confissões íntimas, secretas, chocantes.
Algumas situações foram vivenciadas por ele diretamente, outras indiretamente. Outras são ainda histórias ocorridas com amigos ou que ele ouviu os comentários. Ele reproduz o que ele presenciou, seja pessoalmente ou escutando os amigos.
Nessa primeira parte, cada relato está em forma de um capítulo com um título. Eu considero um excelente apanhado de contos. A cada conto lido, informações sobre o cotidiano da segurança pública.
O destaque fica para o treinamento do BOPE, mas é resumido se compararmos ao filme, onde essa preparação possui mais destaque. Algumas situações foram aproveitadas no filme, tornando-as clássicas, enquanto outras estão apenas no livro.
Interessante também como esse relato longo do protagonista contém observações peculiares, explicações de gírias e de como as coisas funcionam. Percebi que em muitos momentos ele sente um enorme peso, não exatamente culpa, mas uma necessidade em expor, em colocar para fora os segredos.
Muitas passagens dessa primeira parte me marcaram ao ponto de eu reler e marcar para ler para meu marido em voz alta (agora ele que quase não lê quer ler o livro logo).
A parte da cavalgada, da comida no chão, das armas escondidas, da tortura "golfinho", da medicação pesada, e muitas outras situações nunca mais serão esquecidas. Muitos contos da primeira parte ficaram na minha cabeça.
O texto é limpo, direto, realista e cheio de palavrões. É bem escrito, estampa a verdade crua e nua e se os palavrões, gírias e palavras chulas estão presentes em toda a narrativa do protagonista é porque é estritamente necessário. Como ele mesmo prova (e se preocupa em comprovar) é um homem letrado e com inteligência acima da média, conhece Literatura e possui um excelente Português, mas é impossível não se expressar livremente sem o uso de um linguagem coloquial e pesada. Não seria possível manter a originalidade dos fatos se ao reproduzir os diálogos ele censurasse palavrões e afins. Não costumo aprovar esse tipo de escrita, porém nesse caso, se fosse o texto seguisse outro padrão soaria superficial e falso.
Ao terminar de entregar ao leitor toda a verdade de suas lembranças, resolve escrever um livro. Essa ousadia não sai da cabeça dele. Ele se sente na obrigação de escrevê-lo.
Assim se inicia a segunda parte do livro. Não existem mais capítulos com contos, nem narrativa em primeira pessoa. É uma ficção em terceira pessoa, um narrador de fora dos acontecimentos.
No começo existe um guia em ordem alfabética com os nomes de todas as personagens. Ao lado de cada nome, uma breve explicação sobre quem é quem. Importante marcar essa página para consultar durante o início da leitura da segunda parte, até se acostumar com o excesso de personagens. Sim, achei que existem personagens demais, mas no entanto, é necessário.
Existem pausas e no início de cada subparte (que seriam os capítulos) está escrito o local, data e horário do acontecimento.
Esse é o livro propriamente escrito pelo protagonista da primeira parte. O negro estudante da PUC que integrou a PM e o BOPE e desabafou páginas após páginas, conto a conto realmente escreveu um livro de ficção e muita ação - a segunda parte.
Apesar de não ser narrador por ele, e sim escrito por ele, a segunda parte não é ótima como a primeira, mas é boa. Como eu disse, não é uma leitura para qualquer pessoa. Não tem nada a ver em ficar chocado com a verdade ou assustado com a dureza. A linguagem utilizada continua simples, direta, breve e rodeada de realismo e palavrões. O problema para alguns leitores certamente será acompanhar o quebra-cabeças de fatos e a complexidade das ligações, alianças e rixas entre tantas (muitas!) personagens. Não é qualquer pessoa que conseguirá estar atenta o suficiente para extrair o máximo possível do livro, que de forma geral é magnífico.
O "livro" escrito pelo protagonista é cheio de conspirações, planos, corrupção, violência, ação e perigo. Vidas se cruzando, traficantes, políticos, policiais, cidadãos. Cenários que vão de favelas, passando por prisões, chegando a gabinetes políticos e lares de famílias.
Não posso comentar muito sobre o "livro" escrito pelo protagonista para não soltar spoilers. Embora eu prefira a primeira parte e seu humor negro e macabro, reconheço a excelência e críticas expostas na segunda parte, afinal essa história dentro da história é essencial.
Após o término da leitura do "livro", ainda existe um epílogo. Voltamos à narrativa em primeira pessoa feita pelo protagonista-escritor e Elite da Tropa é finalizado com chave de ouro.
Resumindo: na primeira parte lemos os desabafos do protagonista como se ele estivesse diretamente contando ao leitor, inclusive ele fala diretamente com quem lê; na segunda parte lemos o livro que ele resolveu escrever para expor os problemas, acontecimentos e críticas, através de uma história de ficção baseada no cotidiano verdadeiro; e por último um breve epílogo, onde reencontramos o protagonista na narrativa para fechar o livro.
Repito: não espere encontrar o filme no livro, apesar de semelhanças. O filme foi baseado no livro, mas não é uma cópia, nem uma adaptação, na verdade. O livro serviu apenas como inspiração para o filme. No entanto, são mídias diferentes, e ambos são excelentes.
A leitura é muito simples, de vocabulário acessível, porém é complexa e densa. Nada entediante. Acredito que quem o achar enfadonho é porque não compreendeu a essência, o espírito do livro. O filme possui uma digestão mais fácil, pois tudo é entregue claramente; e foi feito para o povo de uma forma geral. Eu arrisco dizer que o livro, além de diferente não é servido diretamente ao leitor como o filme é para o telespectador. O leitor precisará estar mais atento e usar mais do raciocínio.
Não expus minha opinião sobre os assuntos abordados; apenas dissequei o livro para os interessados, sem spoilers. Para finalizar a resenha preciso ao menos, discretamente expor:
Concordo com muitas ideias transmitidas pelos escritores, principalmente sobre os culpados da violência serem os usuários de drogas, até mesmo os sazonais e a corrupção que se une aos traficantes e até os apoia.
Todos os corruptos, sejam policiais ou políticos - os que se envolvem direta ou indiretamente com o crime - são culpados pela violência urbana; tanto quanto os políticos que não sentem peso na consciência por "não se envolverem com o crime", mas roubam os cofres públicos, desviando verbas para saúde e educação (áreas carentes essenciais para ajudar no combate ao crime), também são culpados!
Até parte da mídia é culpada por abafar a realidade e se intrometer nas ações das polícias.
Assim como os consumidores de drogas, que acham que não existe problema em dar uma "cheiradinha" ou fumar um simples "baseado" - sim, todos são culpados pelo grande volume de crimes.
Ainda bem que ainda existem pessoas honestas e corajosas no Brasil. E elas mereciam salários e condições de trabalho melhores.
Ps.: Nunca esquecerei as cenas transmitidas ao vivo pela Globo mostrando as centenas de traficantes fugindo da Vila Cruzeiro em dezembro de 2010. Aposto que se a mídia não estivesse filmando como um reality show a maior parte deles teria sido eliminada e o público saberia apenas de um leve boato. Se os matassem em massa perante as câmeras, a operação seria taxada como massacre desnecessário pelos defensores humanitários. Eu não veria problema algum em terem matado logo aquele bando de traficantes torturadores, estupradores e assassinos. - minha opinião sobre aquele caso.