Douglas 26/08/2016Elis Regina já havia avisado que o novo sempre vem
"Vir aqui é como retornar a um passado distante. Parece que nada mudou".
Um hotel localizado em Londres em meados do século XX é o palco do décimo romance da série protagonizada pela detetive amadora Miss Marple, escrita pela Agatha Christie. Estilizado como uma lembrança do passado em uma sociedade em profundo dinamismo, no auge da Guerra Fria, o Hotel Bertram é frequentado, majoritariamente, por pessoas idosas, que descrevem o local como uma personificação das eras eduardiana (1901-1910) e vitoriana (1837-1901).
Nossa heróina, que neste caso atua mais como coadjuvante e conselheira, é Jane Marple, uma simpática e carismática senhora de setenta e poucos anos que se hospeda por lazer no Bertram por uma semana. A estadia no hotel havia sido presente de uma de suas sobrinhas. O principal incentivo de Miss Marple para escolher esse hotel foi para relembrar a última vez em que esteve ali, quando tinha catorze anos de idade.
O caso referenciado no título não seria um único caso per se. O leitor é apresentado a uma ampla gama de personagens e fatos que não possuiriam conexão aparente entre si, apesar de disporem de vínculo, em algum grau, com o elegante Hotel Bertram. Além de Miss Marple, compõem a narrativa uma mulher aventureira de meia-idade chamada Bess Sedgwick; o gerente do hotel, Sr. Humfries; a recepcionista do hotel, Srta. Gorringe; a jovem rica Elvira Blake e seu tutor legal, o coronel Luscombe; o porteiro, Micky Gorman; o jovem piloto de automóvel, Ladislaus Malinowski; o esquecido cônego Pennyfather; e o mordomo Henry. Além dos mistérios presentes na obra, as próprias personagens e suas respectivas motivações constituem peças suplementares nesse quebra-cabeça.
Paralelamente, em uma reunião da Scotland Yard (o departamento policial responsável pela região metropolitana de Londres), tomamos ciência de uma série de roubos em grande escala intelectualmente planejados que vêm ocorrendo, bem como somos apresentados ao “Pai”, apelido dado ao inspetor-chefe Fred Davy da polícia londrina, que possui papel de protagonismo na trama.
A problemática do romance é introduzida por meio do desaparecimento, em circunstâncias misteriosas, do cônego Pennyfather, o que transporta o “Pai” ao núcleo do Hotel Bertram e às personagens e suas agendas secretas.
O romance teria como pano de fundo a nostalgia a épocas e acontecimentos há muito findados e a relutância humana em se adaptar e aceitar o presente. O conflito velho versus novo é constante. Ainda no primeiro ato do texto, o jovem piloto Malinowski adentra o hotel composto essencialmente por pessoas idosas e, nesse instante, é como se houvesse uma ruptura tácita do status quo, descrito por Christie da seguinte forma “sua vitalidade era tanta que, em comparação, o Bertram parecia um museu. As pessoas eram relíquias empoeiradas de outra era”. A sempre sorridente recepcionista não lhe acolheu com um sorriso. A partir de então, delineiam-se ações que culminam com o desaparecimento do cônego Pennyfather.
Em momento catártico, Miss Marple pondera, brilhantemente, o seguinte: “Estar aqui é como voltar ao passado… àquela parte do passado que amamos e aproveitamos. Mas, claro, não era nada disso. Aprendi que nunca podemos voltar atrás, que não devemos nem tentar. Que a essência da vida é seguir adiante. A vida, na verdade, é uma rua de mão única, não?”.
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