Codinome 14/01/2020
Um pouco sobre "A sangue frio"
Sou suspeito para falar de um gênero policial: normalmente a chance de um livro desse tipo me ganhar é fácil. Em 2019, por exemplo, dos 9 livros que li, meu preferido foi um policial: o prestigiado “A trilogia de Nova York”, do americano Paul Auster. No caso de agora, também é de um americano: o jornalista Truman Capote.
Ainda nesse âmbito do romance policial, uma boa obra desse gênero (pelo menos para mim) é aquela que consegue trazer novas problemáticas e embocaduras nesse terreno que já foi manejado por diversos grandes escritores desse tipo de narrativa. Em “A sangue frio”, a própria concepção do livro já é um grandioso diferencial, não só nesse ramo literário, mas na literatura em geral.
A história aconteceu de fato e não é spoiler (embora pareça) esse resumo: em 1959 ocorreu o assassinato de uma família inteira na cidade de Holcomb, localizada no estado do Kansas. O estranho caso, que não deixou suspeitos claros à primeira vista e nem supostas motivações para o crime, atraiu o jornalista Truman Capote para a região. Se não me engano, ele ficou cerca de 5 anos acompanhando o desenrolar dessa investigação. Aliás, a relação de Capote com essa pesquisa já dá uma bela de uma história real a parte: indico o filme “Capote”, de 2005, que traz um ótimo retrato dessa situação e do polêmico escritor (hoje quando faço minhas pesquisas sobre o autor, pois sempre gosto de saber quem está por trás do livro que leio, vejo que ele ainda gera muitas controvérsias).
Voltando à literatura, pode-se dizer que ele conseguiu a proeza de inaugurar, pelo menos formalmente, o jornalismo literário: que é tratar de um tema que ocorreu de verdade (ou seja, o trabalho de um jornalista) utilizando-se da riqueza literária em contar histórias; sendo publicado em quatro partes, na revista The New Yorker, em 1965. E é nesse ponto, na concepção do livro, que ele coloca o gênero policial em outro nível; pois a leitura que fazemos fica, inevitavelmente, diferente: tocou-me mais, pois a brutal situação ocorreu de verdade na remota cidadezinha do Kansas, não foi algo inventado, embora, muitas vezes, pareça que seja.
Pensando na relação que ele tem com outros livros que já li, posso citar alguns: o início de “A sangue frio”, devido à intercalação de duas histórias que se convergem e também pelos personagens Perry e Dick, lembrou-me um romance policial chamado “Killshot”, de Elmore Leonard. Tanto Perry quanto Armand Degas possuem traços indígenas e acabam sendo “vilões” nas duas histórias.
“Crime e castigo” (Dostoiévski), um clássico da literatura russa, também apareceu em minha memória por essa linha narrativa que caminha do crime para o castigo. E, mais próximo ao fim, a ambientação do tribunal e o julgamento dos assassinos me recordou a segunda parte de “O estrangeiro” (Camus).
Um livro que tem um traçado narrativo muito bom, bem escrito e que me prendeu. Para muitos, um clássico logo ao ser lançado.