spoiler visualizarHelô Ferrari 21/08/2018
O vazio existencial de Madame Bovary
Acabei de finalizar um dos ‘clássicos metas de leitura da vida’. Antes de me adentrar a essa personagem pioneira dos livros de cunho psicológico densos, preciso comentar, que este livro publicado no final de 1800, precisou vencer um julgamento pra ser publicado, pois, em meio a todas as histórias de ‘mulherzinha’, em que existia uma dama sempre muito bonita e correta, que encontra um herói, que então juntos passam por uma situação complicada, mas vivem felizes para sempre, Gustave Flaubert cria uma personagem mulher, que passa a questionar a vida que tem, começa a fantasiar um mundo ideal, e literalmente vivendo romances extra conjugais, encontra a ‘graça de viver’.
Uma das coisas a respeito de nossa personagem é fato, existia em Madame Bovary, a dificuldade em lidar com suas projeções, e o que realmente se passava na vida dela. Emma Bovary, apesar de não ter muitas posses, foi uma mulher estudada (oportunidade de pouquíssimas na época), tinha inclusive uma mente bastante articulada, questão que, tendo um gosto bastante intenso pela leitura, Emma lia todos aqueles romances de época, e sonhava para si com uma vida daquela. Bem no início do livro, Emma se apaixona pelo médico de seu pai, Charles Bovary, que recém viúvo, pede sua mão em casamento. Ela então se esforça pra ser uma boa esposa para os moldes da época, mas logo passa a não ver graça naquele ‘relacionamento morno’ que pouco lhe tirava o ar.
Então, o grande gatilho de sua vida, foi ir a uma festa da nobresa (que foi convidada junto de seu marido). A partir daí, Charles perde toda graça (que já não era muita) pra Emma, e ela passa a viver em fantasias desejosas de toda aquela vida cheia de glamour, fartura, e um ‘legítimo cavalheiro’ em seu encalço. Nossa personagem não apenas deseja, como fica obcecada por isso, e sem encontrar sentido para sua existência real, alterna entre depressão e fantasia.
Até que ela encontra no adultério de seu casamento, alguma emoção na vida, ao menos, uma possibilidade prática de encontrar a felicidade (como é descrito no livro). A partir daí Emma busca uma vida de fartura e volúpias, porém, ela e seu marido, que apesar de estáveis não eram ricos, se afundam em dívidas por causa dessa tentativa de preencher seu vazio existencial com exageros (que Charles só toma conhecimento ao final do livro).
Não acho que devemos aplicar moralismos à obra, sem dúvida ela foi um marco para as mulheres, que nada podiam desejar além do que a sociedade ditava; ela foi um início de reflexão a existência, já que Emma Bovary simplesmente se deixou levar por tudo aquilo que desejava, e é difícil afirmar se ela não avaliava a vida que tinha, porque muitas vezes ela parece ter total intenção de saber e querer fugir daquilo (já que as damas da época não podiam desfazer casamentos e tentar casar-se com outra pessoa, que dentro do contexto, seria a única forma dela alcançar a riqueza que desejava). É aqui que mora toda a tentativa de preenchimento de seu vazio existencial, a grande briga entre quem ela deseja ser, e o que ela é. Até porque, mesmo em seus casos (que foram dois) extra conjugais, quando algo dava errado e ela se via decepcionada, seu mundo desmoronava e ela parava de ver graça até na sua atual fantasia forjada fora do casamento.
Não vou dar spoilers sobre final, mas sem dúvida, nossa personagem quixotesca, deixa sua dificuldade em lidar com a realidade . Reflexão que podemos ter como gatilho, afinal, o quanto é difícil para nós encarar a vida que temos, e fazer disso o melhor possível?