@fabio_entre.livros 26/02/2022
Deus e o diabo, de novo
Duas famílias e um escritor de sucesso buscando inspiração para seu novo best-seller; estranhos entre si e viajando separadamente, eles têm seus destinos unidos fatalmente quando passam pela Rodovia 50 e dão de cara com um policial mais louco que o Chapeleiro da Alice. A partir desse malfadado encontro, os viajantes se veem presos numa trama de horror que se desdobra quando eles são levados à pequena cidade que dá título ao livro. Lá eles se deparam com um mal tenebroso prestes a vir à tona.
Tal é, em linhas gerais, o conteúdo deste pequeno tijolo do Rei, onde ele mescla ideias lovecraftianas ao tema da luta cristã do bem contra o mal. King já lidou com esses temas separadamente em seus maiores calhamaços: o primeiro em "IT" e o segundo em "A dança da morte". Mas, como para o autor o céu é o limite, ele decidiu juntar os conceitos para ver no que daria. E embora para mim este não seja um dos trabalhos mais brilhantes dele, é um livro que entretém bem.
De Lovecraft ele traz a ideia da entidade maligna ancestral que habita o limite entre as dimensões e causa loucura e morte nas pessoas com quem tem contato. King trouxe também uma linguagem própria para a invocação da coisa: a língua das "coisas informes" ou "língua dos mortos". E, como cereja do bolo, o mal aqui é representado fisicamente através de estatuetas quase indescritíveis de "animais inferiores" que podem afetar a sanidade de quem toca nelas: uma clara referência ao velho Cthulhu.
Do Cristianismo, tal como em "A dança da morte", King faz o mal ser uma representação diabólica que precisa ser enfrentada por um pequeno grupo de eleitos por Deus, liderados por um indivíduo que recebe as instruções através de sonhos e insights. Além de tratar de temas como livre-arbítrio, arrependimento e sacrifício, King faz referências a passagens bíblicas, como o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes.
No entanto, esse tom de alegoria teológica tem um resultado bem mais limitado do que o realizado em "A dança da morte", devido à própria abrangência da história: se antes o autor apresentou o mal em uma escala global, aqui ele está, ao menos por ora, restrito à (quase) cidade-fantasma de Desespero. Então, para mim, como leitor, a ameaça não soou tão apocalíptica quanto prometia.
Assim, finalizando, o veredicto é: não recomendo este livro para uma leitura prioritária de King; diverte, mas é só. O autor escreveu dezenas de livros dos anos 70 para cá, e eu sei de pelo menos meia dúzia melhores que este.