Lurdes 30/06/2022
Como vocês sabem, não sou adepta de releituras, mas tem livros que merecem, e muito.
As Meninas foi lançado em 1973 e eu o li, pela primeira vez, com 17 anos.
Foi um dos livros que mais me impactou e se tornou um dos livros da vida.
Tinha medo de reler, tanto tempo depois, e acabar perdendo o encanto.
Mas meu encanto só aumentou por perceber detalhes que na época, pela pouca idade e pelo desconhecimento de muitos fatos da ditadura, me passaram despercebidos.
As meninas do título são três amigas e colegas de faculdade que moram no Pensionato Nossa Senhora de Fátima.
A ação se passa em São Paulo, provavelmente em 1969, ano do sequestro do embaixador americano Charles Elbrik, citado na história.
Aqui um adendo para quem se interessar por mais detalhes.
Recomendo o livro O que é isso companheiro, de Fernando Gabeira, um dos participantes do sequestro, posteriormente preso e torturado.
Achei importante ressaltar o momento político em que se passa a estória porque ele tem grande influência na narrativa.
Mas voltemos às meninas.
LORENA - Estudante de Direito, de família rica, tipo mignon, delicada e fútil.
Seu quarto, ou "concha cor de rosa" é o palco da maior parte dos encontros das amigas, não só porque ela sempre tem chá, biscoitos, bebidas e música para oferecer, mas porque sempre tem seu ombro amigo disponível. Carinhosa e generosa, além da amizade, não recusa nenhum pedido das amigas, seja empréstimos de dinheiro (oriehnid), do carro de sua mãe e o que mais for preciso, sem questionar ou julgar ninguém.
LIA - Estudante de Ciências Sociais, militante política, namorada de Miguel, que aderiu à luta amarga e encontra-se preso. Suas atitudes combinam com sua aparência, rebelde, com cabelos e roupas meio desalinhados, sem preocupações com a beleza. Investe toda sua energia no enfrentamento da ditadura militar.
ANA CLARA - Estudante de Psicologia, linda, sexy, melancólica, deprimida. Usuária de drogas e alcoólatra, é apaixonada pelo traficante Max, mas quer casar com um homem rico, para compensar a infância paupérrima que teve ao lado da mãe solo, que sofria tantos abusos quanto ela própria.
Além das protagonistas vamos conhecer um pouco das familias, em especial as mães de Lorena e Ana Clara e as freiras que administram o internato Os anos de chumbo foram pesadíssimos e Lygia não se eximiu de trazer à baila o que acontecia. Corajosamente chega a incluir o depoimento de um preso político expondo a rotina de tortura.
Dizia a própria Lygia que o livro só não foi censurado porque o censor se entendiou nas primeiras paginas, achando que era um romance feminino inofensivo e nem completou a leitura.
Na minha opinião é o melhor livro de Lygia. Os costumes conservadores, a hipocrisia da sociedade tentando manter as aparências, a repressão política, a opressão feminina, estão todos lá, escancarados com maestria pela autora. Apesar de focar em um período histórico específico, o livro não é "datado" e continua com o mesmo vigor. Meu amor pelo livro apenas se intensificou
e vai seguir, com louvor, na minha lista de
favoritos da vida.
Obra prima.