Israel145 01/05/2016Mersault é um homem que vive uma vida letárgica rodeado de pessoas comuns, num lugar estranho e cuja sanidade se esvai como um pulso que cada vez vai perdendo a intensidade. A morte de sua mãe não lhe causa nada além de tédio. Enfiado num abismo que consome sua alma, Mersault assume o leme de sua vida rumo à tragédia: comete um assassinato a troco de nada, com uma crueza e frieza antinatural.
A obra-prima de Albert Camus tornou-se imortal por fazer a pergunta essencial da humanidade: qual o sentido da vida? Na personagem de Mersault, Camus apresenta um mundo cada vez mais gélido, insensível e permeado de desilusão. Todos os personagens que rodeiam Mersault tem um desvio, uma imperfeição incômoda que faz olhá-los com desprezo. Seja o patrão insensível ou o velho que convive com um cachorro, seja Marie, a namorada de Mersault que permanece com ele mesmo sabendo que não a ama, mas mesmo assim pretendem casar-se. Seja Raymond, o amigo que tinha raiva de árabes, responsável pela briga que induz Mersault a cometer o assassinato de um destes. Todos causam aversão ao leitor.
Camus criou um ambiente que beira o onírico, com personagens espectrais, embriagados de volatilidade e desprezo por seus pares, por seus destinos e indiferentes às consequências dos seus atos. Um ambiente que lembra muito os pesadelos literários de Kafka.
Impossível também não comparar Mersault a Raskolnikóv de Crime e Castigo. A grande diferença é que o personagem de Dostoiévski, sofre, remói e pondera antes de cometer seu crime. E aceita as consequências após ser descoberto. Já Mersault mata fria e impiedosamente, sem se importar comas consequências e continua sua marcha letárgica rumo à guilhotina deixando para o leitor decidir se ele era louco ou demasiadamente humano.
Camus leva o pensamento filosófico para as entranhas da alma humana e só o que vemos lá é um grande e negro abismo. O perigo é se deixar tragar por ele. Clássico perturbador da literatura contemporânea.