Alexia 16/07/2023O estrangeiro de siMuito podia-se dizer sobre Meursault, e olhando por outros olhos, há quem o visse como um sujeito abominável. Camus retrata neste livro um homem com uma apatia sem precedentes que o torna um sujeito estrangeiro ao mundo e a si mesmo. Tal característica causa um tremendo estranhamento social que resulta nos acontecimentos que precedem a morte da mãe.
“Hoje, a minha mãe morreu.” A forma como o livro começa me fez perceber que o início parece exatamente o que é: o começo de algo. Ao longo do livro, pouco sabemos sobre a vida de Meursault. Antes disso não é claro sua profissão, se tem amigos, se tem algum hobby. Parece que a vida começa quando a mãe morre, ou tudo acaba. A verdadeira impressão que tive é que tamanha era sua angústia após a morte da sua mãe que seria mais fácil não sentir nada. Ou que ele já a havia matado em sua vida a tempo, ao ponto de que a morte dela lhe parecer abstrata, ou realista demais. A questão que fica: sua apatia começou antes ou depois da morte da sua mãe?
Minha única conclusão é de que eu me identifiquei com ele. Em vários momentos no meu processo com a depressão eu me vi jogada à apatia em relação ao mundo. De que tanto fazia, pouco importava, só trivialidade, irrelevante. Parece que a única coisa a se fazer é seguir o curso das coisas, mesmo que resulte em tragédia. É um sentimento de deslocamento que parece repelir a vida social a todo custo, um completo estrangeirismo do mundo e de si. Pode ser só um pensamento niilista ou de alguém só sem perspectiva, com outro motivo de estranhar a si, mas o sentimento que tive foi esse e serei fiel a ele.
“Mas todos sabem que a vida não vale a pena ser vivida. No fundo, não ignorava que tanto faz morrer aos trinta ou aos setenta anos [...]. Hoje, ou daqui a vinte anos, era sempre eu quem morria.” (CAMUS, 2022, P. 118).
Outro ponto a destacar é que não pude deixar de traçar um paralelo entre os dias na prisão e o período pandêmico de 2020. O desejo incessante de se estar lá fora, a fantasia de vivenciar algo físico além das grades. Até o sentimento de que se habituaria com isso. Me pergunto se ele tivesse tido a oportunidade de viver lá fora ele teria vivido de fato, como eu vivi. Pelo menos ele pode gritar.
Me demorei bastante na leitura. Começou fluida mas no final eu acabei enrolando bastante pois sentia que devia absorver bem cada detalhe. Não vou dizer que foi uma leitura agradável, me proporcionou várias reflexões, mas foi uma leitura que gostei de fazer. A escrita do Camus é prazerosa, e com certeza pretendo ler mais obras dele.