Leitora Viciada 02/04/2012Um livro apaixonante. Do tipo que se fechá-lo para um intervalo, as personagens irão lhe acompanhar impacientemente até retornar a leitura.
Um livro que emociona. Quem já perdeu um ente querido muito próximo corre o risco de chorar ao perceber que muitos pensamentos ou frases da protagonista são seus também. Mesmo quem não tenha passado por essa dura provação da vida irá se sensibilizar com o sofrimento de Lennie.
No começo estranhei a narrativa da autora, ou a tradução, não sei bem. Algumas comparações, expressões ou referências pareciam não se encaixar nas primeiras páginas. Porém, como que num passo de mágica, mergulhei totalmente no mundo de O Céu Está Em Todo Lugar e o livro é que parecia estar em todo lugar. Principalmente em meu coração pois perdi minha mãe e depois meu pai quando adolescente.
A narrativa é em primeira pessoa e contada por Lennie, uma moça de dezessete anos que perdeu a irmã há um mês e está perdida na tristeza, depressão e dificuldade de seguir a vida.
Lennie sempre foi extremamente dependente da irmã mais velha, Bailey. Uma o oposto da outra. Bailey nunca teve vergonha de se soltar e ser quem gostaria de ser, sempre modificando o ar com a sua presença. Soltava os cachos selvagens enquanto Lennie sempre os escondeu num rabo de cavalo - e nessa comparação simples podemos resumir as diferenças entre as irmãs Walker. Bailey a empolgada, apaixonada e extrovertida, enquanto Lennie sempre foi a discreta e reservada.
As melhores amigas do mundo.
Além do quarto cor de laranja, elas dividiam confidências, sonhos e receios. A união forte das duas em parte se dá pela falta da mãe, que as abandonou ainda bebês e sumiu completamente.
A vovó, que se perde em tintas e telas com mulheres pintadas de verde ou rosas e jardins floridos não fala muito sobre a filha, na verdade nada. Então as irmãs criam um mundo próprio de fantasia, imaginando noite após noite as aventuras que a mãe exploradora estaria vivendo ao redor do mundo.
Lennie toca clarinete, Bailey é atriz de teatro. E de repente morre num ensaio do papel para Julieta, com um problema no coração. E a história começa. O drama de uma família, o drama de uma adolescente que sofre em vários aspectos. Tudo descrito com muito sensibilidade, doçura e um toque de bom humor.
Triste: como uma pessoa que se ama tanto pode simplesmente sumir de sua vida? Sua irmã, sorridente, animada, feliz, jovem... como de uma hora Lennie não vê mais a irmã deitada na cama lendo, atravessando o jardim sorrindo, brincando com o namorado, boiando no rio com o rosto pro sol, ensaiando para o teatro em frente ao espelho? A dor não sai do peito de Lennie, que entra em depressão abraçando e vestindo as roupas da irmã falecida.
Perdida: Lennie não sofre apenas pela perda da irmã e amiga. Perde sua referência, pois sua irmã era seu espelho. Embora fosse um reflexo bem diferente do seu, Lennie dependia dele para poder sustentar sua própria imagem. Precisava dos conselhos, das conversas e palavras de estímulo da irmã para fazer qualquer coisa. Mas agora, não existe mais nada além das lembranças e das coisas que ela não consegue guardar nas malditas caixas que a avó trouxe para o quarto.
Ela está perdida, e observei que a perda da irmã gerou a "descoberta" do abandono que sofreram pela mãe. Bailey morreu e nem conheceu a mãe. Uma mãe que nem imagina e nem se importa que uma das filhas se foi e que a outra está sofrendo. Finalmente Lennie despenca num poço de realidade e o mundo de aventuras da mãe inventada desmorona juntamente com o falecimento da irmã, co-criadora dessa fantasia.
Confusa: sentir necessidade de estar com o namorado da irmã é normal? Alguém que compreende sua dor e que quer compartilhá-la com você. Toby sabe e sente. Porém Lennie não deveria beijá-lo, deveria? Toby, uma mistura de cowboy e skatista caladão não para de ir atrás dela. Lennie não deveria sentir dependência psicológica, os dois não deveriam ser arrebatados por uma atração física e desenfreada. Toby, o namorado de Bailey, sua irmã - pensa em vão a todo instante.
Culpada: se agarrar o Toby, quem deveria ser seu cunhado já traz culpa suficiente para Lennie, coisa pior acontece. Joe, o músico metade francês e completamente charmoso começa a se mostrar muito apaixonado por ela. E ela por ele. Deveria ser natural, mas não é. Lennie está de luto, Joe nunca conheceu sua irmã e não sente a mesma dor. Simplesmente Lennie acha que não pode, não deve, de forma alguma se apaixonar e ser feliz. Não quando Bailey acabou de falecer. Não parece certo, é egoísta. E a idiota da Rachel, sua rival, começa a dar em cima de Joe. O que fazer? Deixar seu clarinete tocar tranquilamente um dueto com o violão de Joe?
Lennie não sabe mais quem é nem o que faz. A única coisa que ela sabe é que a dor da perda não diminui. Ela afasta a amiga Sarah, e não consegue mais se abrir com a avó.
Sentindo-se triste, perdida, confusa e culpada, Lennie começa a desabafar em poemas e textos escritos em qualquer papel, embalagem, madeira, parede... deixados em todo lugar. O livro possui dezenas de belas páginas com esses pensamentos e lembranças escritos por Lennie. Eles surgem em qualquer momento, vem do fundo do coração. Essas páginas nos emocionam e deixam o livro com um visual único e lindo.
Mesmo sofrendo, Lennie se apaixona e surge um romance incomum. Ela precisa aceitar seu sofrimento e perceber que a irmã morreu, mas ela está viva; que a mãe foi embora, mas ela tem uma avó e tio carinhosos; e que a dor e culpa devem dar espaço para o amor e a paixão, ainda mais com um rapaz como Joe estando ao seu lado, ajudando-a a vencer a si mesma. Se conseguir colocar as coisas no lugar, incluindo Toby e todos os pertences que a irmã deixou.
Uma história sobre perda, amor, companheirismo e superação.
Trechos:
"As coisas estão confusas: o garoto que devia me beijar age como um irmão, e o garoto que devia agir como um irmão não para de me beijar."
"O irmão dele se aproxima, apoia a mão descuidadamente no ombro de Joe e instantaneamente o transforma em um irmão mais novo. O corte em meu coração é afiado e repentino. Não sou mais a irmã mais nova. Não sou mais irmã."
"Uma vez ouvi esta máxima: 'Toda vez que alguém morre, uma biblioteca se incendeia'. Estou vendo uma ser queimada diante de mim."
"Minha irmã vai morrer todos os dias, pelo resto da minha vida. A dor dura para sempre. Não desaparece nunca; torna-se parte de nós, a cada passo, a cada suspiro."