Nayara278 13/05/2024
Não sabia que esse tinha sido o último livro da Clarice quando o peguei para ler. Agora, parece irônico que tenha sido minha primeira leitura dela.
Inspirada por um olhar perdido na Feira de São Cristóvão (Rio de Janeiro), Clarice escreve sobre as muitas Macabéas que existem por aí. Essa jovem nordestina é descrita como uma mulher simples, sem muita reflexão sobre seu passado ou planos para o futuro, Macabéa tem dificuldades para questionar sua própria existência ou buscar por significado em sua vida. Sem falar que ela frequentemente se submete a situações de abuso e exploração pois não possui nenhuma ideia de autoestima ou até mesmo vontade própria... talvez o fato dela ter crescido em uma família pobre e desestruturada e não ter tido nem amigos próximos, tenha privado ela de desenvolver uma compreensão mais profunda de si mesma e do mundo ao seu redor. Em determinado momento Clarice vai dizer que "Se ela soubesse que era uma pessoa poderia ter ambições." ou também que "...era uma menina que não tinha até agora aprendido a viver."
A primeira coisa que percebi ao ler esse livro foram as semelhanças entre Clarice e Macabéa. Talvez tenha sido só empatia e compaixão da autora pois a escrita de Clarice muitas vezes aborda as profundezas da experiência humana, assim como a história de Macabéa nos leva a refletir sobre questões existenciais. Mas além disso, acredito que a identificação com as origens nordestinas tenham influenciado mais a ela. Eu sei que a Clarice era uma mulher letrada e sofisticada mas ela também enfrentou desafios pessoais ao longo de sua vida. Ela teve uma infância marcada por dificuldades e desafios, especialmente após sua família ter imigrado para o Brasil fugindo da perseguição judaica na Ucrânia. Essas experiências de marginalização e imigração podem ter feito ela se identificar com a questão dos nordestinos no Brasil.
Agora, a ironia de ter um narrador masculino, Rodrigo, é notável. Considerando críticas anteriores sobre a falta de engajamento social em sua obra, Clarice escolheu um homem para contar a história, em um determinado momento ela até escreve (Rodrigo falando): "...aliás – descubro eu agora – eu também não faço a menor falta, e até o que escrevo um outro escreveria. Um outro escritor, sim, mas teria que ser homem porque escritora mulher pode lacrimejar piegas." Isso reflete os estereótipos que cercaram a escrita feminina da época, sugerindo que as mulheres eram frequentemente vistas como menos capazes de produzir trabalhos literários sérios ou intelectuais. O fato de Clarice ter sido uma mulher escritora em um período em que o mundo literário era dominado por homens bombardeou ela de críticas sobre seu estilo literário e até mesmo à sua própria personalidade. Mas isso não a impediu que deixasse um legado duradouro na literatura brasileira. "A Hora da Estrela" é parte essencial desse legado, representando o auge de sua habilidade artística e sua contribuição para o cânone literário do país.