cadenthrones 26/04/2024
Broxante
2.5/5
Mais um exemplo de "só porque concordo com o livro, não significa que ele é bom". Sim, O Amante de Lady Chatterley põe em jogo diversas convenções sociais de seu tempo e os rumos que a Inglaterra tomava naquele período, mas os levanta nas ideias somente para broxar na execução, acredito.
Por um lado, perdoo enredos mais parados ou que não proporcionam grandes reviravoltas, desde que esse não seja o foco da obra e que ele tenha algo de mais interessante acontecendo no subtexto. Lady Chatterley até tem, mas minha tolerância tem limites, e a obra passou deles. Da segunda metade em diante, a história entra em um ciclo vicioso aborrecido que posicionou os personagens de maneira tão confortável que não gera conflito, drama, um suspense dramático; o cenário não criava situações que caracterizassem os personagens, nada criava interesse por suas vidas, muito pelo contrário; se bobear, até eu tenho vida mais interessante que essas pessoas. E não só isso prejudica o interesse na obra, como enfraquece as temáticas que o autor constrói aqui pois o poder de persuasão diminui e, se o leitor está entediado, dificilmente ele estará apto a pensar muito sobre a obra.
Tudo o que ele tem a dizer sobre o sexo é louvável, mas o que os personagens experienciam contradiz sua tese. Mellors nunca retribui o amor da Lady Chatterley, e ainda faz questão de dizer que só gosta do sexo; tudo o que ele tem de elogio a ela se resume ao corpo e a sexualidade dela, e Lady Chatterley não parece ter razão alguma de querer ficar com ele para além do carnal. Ela, uma mulher muito bem instruída, estudou, viajou, viveu, mas se entrega de mão beijada a um homem que constantemente a objetifica e, por sua vez, o autor parece fazer o mesmo, uma vez que, a partir de um certo ponto, é o Mellors quem faz os monólogos sociais e políticos da obra, enquanto que sobra à protagonista admirar os pelos pubianos do homem, por vezes na mesma cena. Ela se torna apática da mesma forma que a história já não se importa em se mostrar interessante, mas uma desculpa para colocar dois personagens para discutir a tese que o autor quer abordar, e essas conversas não levam a lugar algum. Eles a iniciam do nada e da mesma forma não as conclui, fica a esmo e a cena seguinte acontece sem reverberações da anterior.
Das duas, uma: ou Lawrence poderia ter encurtado o manuscrito para uma novela, assim o enredo não geraria sono ao invés de interesse (e porque a psique dos seus personagens não rendem um livro de quase 400 páginas), ou ele poderia ter escrito ensaios a respeito desses temas, afinal, eles são bons! Da sexualidade naturalizada e retratada como digna de discussão, da industrialização, da destruição das paisagens naturais em prol de um sistema que desumaniza seus trabalhadores; todos merecem atenção e são tão atuais quanto um livro de 100 anos de idade pode ser. Mas só de "temas" não vive a ficção, ou não seria ficção, e Lawrence não parece saber articular bons personagens e uma trama envolvente que articule através dela as ideias dele, mas sim prefere pausar toda hora para pregar seus ensinamentos (as mudanças sociais da Inglaterra pós primeira guerra) e contradizê-los através de seus próprios personagens (como a liberdade sexual de Lady Chatterley ser atingida de forma rasa e através de uma relação com um homem que mais a objetifica que o Clifford, teoricamente o errado da história).
Louvável, mas de certa maneira, a vida imita a arte: da mesma forma que parece que Lady Chatterley dá valor a Mellors porque é uma relação proibida, caso não fossem as cenas de sexo que ocasionaram na censura da obra, dificilmente o livro seria tão lembrado, porque, afinal, o proibido é mais gostoso.