jota 23/11/2013Amores impossíveisPrimeiro livro de Murakami que leio e que me pareceu bastante ocidentalizado, com inúmeras referências à cultura americana e europeia. Talvez isso explique o fato de que ele faça muito sucesso não apenas em seu país, também no exterior (Murakami é forte candidato ao Nobel de literatura já há algum tempo). São muitas referências a livros, filmes, canções, peças musicais clássicas, países como Suíça, França, Itália, Grécia, etc.
Até mesmo Astrud Gilberto é citada aqui, igualmente a bossa nova, gênero musical de fato muito apreciado pelos japoneses e também por um personagem deste livro. Na página 40 há uma referência à estação de metrô Omote Sando em Tóquio (que parece também ser um bairro da cidade, não sei) e daí me lembrei da dupla musical americana Ambitious Lovers, do final dos anos 1980 e inicio dos anos 1990.
Formada por Arto Lindsay e Peter Scherer, Ambitious Lovers tem uma música instrumental bastante curta (cerca de 1:36 de duração; pode ser ouvida no Youtube) chamada exatamente Omotesando que, por seu som, curiosamente remete para o NE brasileiro. Arto Lindsay viveu no NE por uns tempos (os pais eram missionários protestantes, algo assim), conhece música brasileira muito bem, é amigo de Caetano Veloso, Marisa Monte, etc. Ah, sim, ele também é bastante conhecido no Japão. Ou em Tóquio, ao menos.
Mas se há alguém a destacar de fato nessa obra é o autor americano Jack Kerouc, de On The Road. Ele tem tudo a ver com o título Minha Querida Sputnik por uma ligeira confusão feita pela personagem Miu, empresária do ramo vinícola. Ainda mais Kerouc tem a ver com este livro pelo fato de que a extravagante jovem Surime parece se inspirar demais nele, pois pretende ser escritora. Viajante Solitário, outro livro de Kerouac é também lembrado aqui.
Miu e Surime são as protagonistas de Minha Querida Sputnik e o principal personagem masculino é K, jovem professor primário, devorador de livros e também o narrador. Quando a história começa parece que vamos ter um triângulo amoroso em que K é jogado para escanteio por Surime quando esta conhece Miu e se apaixona perdidamente por ela. Não é bem isso o que acontece. Mas é o que QUASE acontece, como ressalta K, logo na primeira página.
Ainda sobre K e suas reflexões, apreciei um trecho da página 67, onde ele fala sobre sua profissão. Ao contrário daqui, no Japão o professor é respeitado e também se respeita. Vejamos: "Não tinha planejado ser professor, mas depois de me tornar um descobri um respeito e uma afeição pela profissão mais profundos do que jamais imaginaria vir a sentir. Mais exatamente, na verdade, devo dizer que acabei descobrindo a mim mesmo. Em pé, na frente da sala de aula, ensinando aos meus alunos da escola fundamental os fatos básicos da nossa língua, da vida, do mundo, descobri que, ao mesmo tempo, ensinava a mim mesmo tudo de novo - filtrado através dos olhos e mentes dessas crianças." Muito bom.
Bem, o livro todo tem muitos capítulos ou trechos interessantes - inclusive com várias pitadas de humor distribuídas ao longo dele - até o capítulo 14 (são dezesseis no total), por aí. Mas depois, quando acontece de alguém "evaporar como fumaça" numa pequena ilha grega, logo após outra personagem viver uma experiência verdadeiramente "fabulosa" numa roda-gigante na Suíça (que faz com que seus negros cabelos imediatamente se tornem brancos, entre outras coisas), fiquei meio (ou muito) com um pé atrás com essa história.
Com o sobrenatural ganhando foco, entrando em ação pra valer (sobrenatural e misticismo são praias literárias que não me aprazem muito frequentar) a narrativa é conduzida para um final estranho, que tira muito do brilho do que vínhamos lendo até ali, mas não estou dizendo que esse final é ruim ou que eu o mudaria, claro. Apenas não o apreciei.
Além disso, apesar de os três personagens serem curiosos, interessantes e únicos, nenhum deles parece ter aquele estofo que os tornariam inesquecíveis para os leitores, exatamente como algum personagem de On The Road, do incensado Kerouac. K, Miu e Surime parecem ser inesquecíveis somente para eles mesmos, ou melhor, para Haruki Murakami.
No momento em que escrevo estas linhas o livro alcança a média 4,1/5,0. Eu daria 4,3 mas isso não é possível. Como parecem ser impossíveis os amores em Murakami.
Lido entre 19 e 22/11/2013.