Clara 05/06/2023
Avassaladoramente, Cecília Meireles
Eu lembro perfeitamente, quando criança, de sempre entrar em um pequeno depósito na minha casa, onde vários livros eram guardados. Tenho uma irmã mais nova que, na época, possuía um fascínio mórbido em riscar qualquer livro que encontra-se. Na verdade, ela era proibida de entrar lá justamente por isso, mas novos livros continuavam aparecendo riscados.
Provavelmente, pelo capricho de uma garotinha de sete anos em não ficar com os livros que sua irmã já tinha vandalizado, me agarrei ao livro de Cânticos da Cecília, eu não entendia nada. Mas sempre que eu voltava era ele que me chamava. Com o tempo deixou de ser pura extravagância e curiosidade com o fato de minha irmã, possivelmente, não ter gostado da capa do livro e tê-lo poupado. As palavras dele, mesmo em minha completa ignorância, me fascinaram; houve uma mudança, algo como escreveu Clarice: "era uma mulher com seu amante.".
Ainda me sinto assim com esse livro. Hoje, ele me é, ao mesmo tempo, tão esclarecedor quanto também uma incógnita e eu percebo nas minhas muitas divagações, que aquela criança, a parte imortal e eterna dela, já entedia que aquelas linhas estavam sussurrando as verdades que tanto tempo depois sua alma ansiariam em deslumbrar. Aquela criança, que já entendia que estava cercada por prisões de pedra que a sufocavam, e também foi aquela criança que teve os primeiros vislumbres de algo cantando dentre si, mas o seu corpo tão mortal e sensível necessitava externar - do contrário de apenas vivenciar. E por ser mortal e sensível não conseguia.
A angústia e necessidade de fazer o outro entender que há um entendimento mútuo, que suas dores e histórias foram passadas e interceptadas corretamente. Hoje penso que é disso que a Cecília falava, sobre como nosso corpo precisa se fazer entender, de se ligar ao outro. Mas como Cecília também escreve tão lindamente: " é a tua eternidade... É a eternidade. És tu.". Somos todos parte do mesmo infinito.
Sempre acabo voltando para esse livro, tanto quanto aquela menina em busca de amparo para seu fascínio. Mas agora no rastro de calmaria depois de ler textos avassaladores, ou quando meia hora é gasta encarando a mesma pintura com o peito apertado, ou quando lágrimas escorrem pelo rosto ao ouvir uma música ou no silêncio de um quarto sem motivo aparente. Nesses momentos, eu me calo completamente e não mexo um músculo, porque eu quero, quero tentar escutar a música - ou silêncio!? - que jaz dentro deste ser.
Penso que todo mundo deveria ler Cecília Meireles.