Ana 15/12/2019
Eu nunca fui muito fissurada por clássicos, fossem eles nacionais ou internacionais. Tenho que admitir que eu fico com um pouco de preguiça, já que, na maioria das vezes, a linguagem é rebuscada demais para o meu gosto. S. Bernardo, por exemplo, foi lançado lá pela década de 30 e desde então vem ganhando novas edições, como essa de 2019 da Editora Record. Confesso que se eu não tivesse recebido esse livro, provavelmente morreria sem conhecer as memórias de Paulo Honório.
Tenho a leve impressão que Graciliano Ramos não gostava de exalar otimismo em suas histórias, visto que em meu segundo contato com o escritor ― o primeiro foi com Vidas Secas, quando eu ainda estava no ensino médio ― tive o mesmo sentimento de falta de esperança. Aqui, conhecemos a vida de Paulo Honório, um filho do sertão alagoano que sonha em conquistar o mundo, custe o que custar. Logo de cara percebemos que tem um caráter um tanto duvidoso: é frio, calculista, machista e bastante violento.
Mesmo conquistando a fazenda S. Bernardo, lugar onde trabalhou e sofreu por uma vida inteira, Paulo Honório só queria saber de acumular mais riquezas e, posteriormente, arranjar um herdeiro que cuidasse de tudo. Assim, tendo em vista a forma árida como tratava todos ao seu redor, não é difícil imaginar como era o seu relacionamento com a esposa, Madalena, uma professora inteligente e humilde ― e com os dois pés no socialismo, diga-se de passagem ―, com pensamentos totalmente opostos aos seus.
Apesar de ser um casamento arranjado e sem amor, Paulo Honório começa a desenvolver um ciúme doentio por Madalena e é a partir desse ponto que conhecemos a verdadeira face desse homem. Como S. Bernardo é narrado em primeira pessoa sob o ponto de vista do protagonista, temos acesso à todos os pensamentos dele, todos os sentimentos, todas as opiniões. O mais "engraçado" de tudo é que, ainda que seja uma história que se passa na década de 30, é impossível não comparar Paulo Honório aos "homens de bem" da atualidade.
A linguagem utilizada por Graciliano Ramos é carregada de regionalismos, o que pode causar certo estranhamento no início da leitura, mas é bem fácil se acostumar. Por incrível que pareça, não sei se foi para eu pagar língua, o desenvolvimento da narrativa é bem fluido, principalmente porque os capítulos são curtos, tornando a leitura bem mais direta. Outro ponto positivo é que não existem descrições cansativas, tudo aqui é muito objetivo.
S. Bernardo é um livro totalmente político e social. O final não surpreende ― na realidade, foi justamente o que eu esperava, infelizmente ―, mas acredito que demonstra com fidelidade a sociedade da época, uma classe burguesa que, de forma ou de outra, ainda prevalece no Brasil, e olha que estamos no século XXI...
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