spoiler visualizarLeonardo 28/06/2019
Nota máxima com louvor!
Quando eu fazia crisma (nessa época eu tinha lá os meus 15 anos) perguntei para minha professora a respeito do filme A última Tentação de Cristo... tinha ouvido falar que o Papa excomungaria quem visse o filme (ou lesse o livro)! Lógico que isso foi um exagero desmentido pela minha professora, mas isso dá uma noção da dimensão da polêmica gerada em torno da obra. Essa obra está no rol de livros que li após várias tentativas frustradas. Os livros que estão nesse rol costumam ser os livros que mais me marcaram, pois eles concomitantemente me deram prazer de lê-los e representaram um degrau a mais na minha qualificação como bom leitor. Lembro-me que no começo do livro o sentimento de medo estava muito presente... isso gerou em mim uma angústia que me fez desistir da leitura muitas vezes. Mas um dia acordei inspirado, ao ver o livro, e disposto (já que eu o havia comprado) a ler ele até o fim (fiz isso também porque tinha gostado do filme originado pelo livro). Impus esse desafio a mim. Inicialmente, no livro, temos um Jesus dominado completamente pelo medo! O medo é algo onipresente, onipotente e onisciente! Judas Iscariotes (o barba-ruiva) exerce grande influência sobre Jesus... é uma influência em forma de coerção. Judas atua, psicanaliticamente falando, como se fosse um superego de Jesus! Certa vez, por exemplo, Judas disse a Jesus que “toda a sua (Jesus) virtude é filha do medo”. Judas, conforme a descrição no livro, era uma figura que “não cortaria os cabelos, não beberia vinho nem dormiria com mulher enquanto Israel não fosse liberta”. Inicialmente Jesus é tido por todos como um pária, pois construía cruzes para todos os judeus insurgentes que eram condenados pelo império Romano. Esse Jesus era chamado por todos como “o fazedor de cruzes”. Esse Jesus era atormentado por “garras” as quais ele atribuía a Deus e era atormentado também por uma espécie de sombra que o seguia. Ele tinha dúvida, por vezes, se aquilo tudo pelo qual ele passava era fruto de Deus ou do Diabo. Outro tormento que perseguia Jesus era o seu desejo não consumado por Maria Madalena, seu primeiro amor na infância. Ele se sentia culpado, pois Madalena, frustrada (ao não ter o seu amor correspondido por Jesus) se jogou à prostituição. Em certo momento Jesus interpela Madalena no sentido de “salvá-la”. Ela então, ao ouvi-lo, responde: “Não me incomode com Deus. Dê o fora daqui e não me apareça mais pela frente. Só há um refúgio e consolo para mim: a lama! Só existe uma sinagoga onde entro e me purifico: a lama! ”. Jesus sentia uma angústia a respeito de si próprio... indagava, para si mesmo e para os Céus, sobre quais eram os planos de Deus para ele, afinal. Jesus, por vezes, se indagava se era um anjo ou um demônio. Jesus sentia os desejos da “carne”, mas os renegava, pois sentia, em seu íntimo, que seu caminho era outro. Mas esses caminhos, deduzia ele, os levaria para uma dor maior. Jesus teve que lutar, durante todo tempo, contra o medo. Ele sentia medo de Deus, medo do Diabo e medo da sombra que o seguia. Ele tinha medo dos desejos da carne. Jesus tinha medo de seus inconfessáveis desejos de grandeza. Jesus tinha medo de seu destino cruel. Tanto é que o renegava ao dizer: “Não, não sou nenhum profeta, sou apenas um homem simples que tem medo de tudo”. Ele dizia que o medo era “meu pai, minha mãe e meu Deus”. Jesus tinha medo de Judas... medo, medo e medo! A história é permeada de medo. Existe, historicamente, uma concepção de que Jesus tem uma dupla natureza: a divina e a humana. Neste livro a natureza humana de Jesus é explorada no grau mais alto possível (com todas as suas dúvidas, fraquezas e “blasfêmias”). Na obra, gradativamente, Jesus vai crescendo... seus medos, embora sempre existentes, vão diminuindo. A natureza humana de Jesus vai dando lugar a sua natureza divina. Um dos marcos para isso é quando Jesus encontra João Batista. Mas tanto João Batista como Judas e Barrabás têm uma concepção de Messias que vai ao encontro de tudo o que o povo Judeu esperava. O povo esperava um Messias político que iria salvar Israel das garras de Roma. Eles esperavam um Messias que iria resolver a vida dos Judeus na terra, não nos céus. Jesus pregava o amor, a fraternidade entre os homens independentemente da nacionalidade. Jesus pregava a libertação do homem do pecado, e não de Roma (é aí que residia o constante conflito entre Judas e Jesus). O povo judeu queria a liberdade por meio da guerra, da insurreição. Judas dizia a Jesus: “Primeiro, o corpo precisa ser libertado dos romanos; e só depois, a alma do pecado. Constrói-se uma casa do alicerce para cima e não do telhado para baixo”. Já Jesus tinha a concepção de que o alicerce era a alma. Ao longo de sua jornada Jesus vai angariando seguidores e discípulos. Jesus não falava de forma muito claro para eles. Ele utilizava parábolas, linguagem figurada, poética, cifrada e surreal (inclusive, esses tipos de linguagem vão permear toda a obra). As pessoas (incluindo os discípulos) interpretavam os ensinamentos de Jesus conforme os seus interesses pessoais (raiva dos romanos, vaidade, desejo de grandeza, ânsia pela vinda imediata do Messias etc.). O contexto da trama era de desespero... todos (homens, crianças, mulheres e velhos) ansiavam pela vinda do Messias. Eles queriam o Messias para agora, sem mais nenhuma demora. Para eles, Deus não tinha pressa (um segundo para ele é como um milênio para o homem), mas o homem tinha. Eles, em suas súplicas, alegavam que não podiam esperar mais. O sofrimento os estava sufocando demais. A respeito disso, um ancião, não compreendendo tanto afã dos homens por Deus disse, certa vez: “ Tudo o que querem é salvar o mundo por bem ou por mal. O esperma lhes sobe à cabeça e ataca o cérebro. Pelo amor de Deus, todos vocês se casem, descarreguem sua energia nas mulheres e tenham filhos, para ver se se acalmam! ”. O livro é muito baseado na Bíblia, evidentemente, mas em muitas situações possui passagens muito lindas que poderiam perfeitamente ter sido retiradas das sagradas escrituras. Um exemplo disso é quando Jesus é indagado sobre o desperdício que era Madalena, em incontida alegria ao ver o mestre (e pressentindo a sua morte), ter perfumado Jesus por inteiro (perfumar, naquele contexto, representava, também, as núpcias e o amor que Madalena desejava ter com Jesus). Aí Jesus responde, com um sorriso, a quem o indagou: “ Os pobres sempre estarão com vocês, mas eu não estarei sempre. Não faz diferença, portanto, esse desperdício. Há ocasiões em que até mesmo a Prodigalidade sobe aos céus e toma assento ao lado de sua irmã bem-nascida, a Generosidade. ” Em um momento subsequente a esse trecho (e que é ligado a ele), temos uma outra passagem digna de estar nas escrituras (dada sua beleza e sabedoria). É a passagem em que Judas havia, ao sentir o ar perfumado (e isso simbolizava a fragrância de um túmulo de rico), desconfiado de que o seu plano de trair Jesus (plano este concebido em conjunto com o próprio Jesus) tinha sido descoberto. Jesus então, diante disso, disse-lhe: “Judas, meu irmão, a andorinha voa mais rápido no ar do que corça corre na terra; mais veloz, porém, do que a andorinha é a mente do homem; e ainda mais veloz do que a mente do homem é o coração da mulher – disse Jesus, indicando Madalena com os olhos. ” Em outra passagem, mais poética (e já pressentindo o seu iminente suplício), Jesus (em uma noite linda), pega uma flor de madressilva e diz, ao colocá-la entre os dentes: “Que Deus me dê forças, orava ele no íntimo, que Deus me dê forças para segurar entre os dentes esta flor minúscula durante todas as dores da crucificação sem mordê-la. ” No final do livro temos a última tentação (momento bem surreal) precedendo ao tradicional fim. O tormento de Jesus (e esse é o meu entendimento) foi maior no que diz respeito ao psicológico... nesse quesito, que tipos de tentações ele deve ter tido e não sabemos? O livro é polêmico porque mostra um Jesus e discípulos muito humanos em suas fraquezas. É polêmico porque mostra um Jesus muito suscetível aos desejos da carne. Mostra um Jesus com muitas dúvidas e medos. Jesus veio para quebrar a lógica do mundo e mostrar um plano de salvação mais abrangente (algo não muito desejado por muitos em razão de vários interesses). Essa foi uma leitura muito enriquecedora, de cunho muito psicológico. Essa leitura foi bem desgastante, mas como poderia ser diferente, dada a temática? Foi uma leitura triste, por vezes bela, poética e surreal (nesse quesito, não deve nada a Gabriel Garcia Márquez ou Nikolai Gogol). Dou nota máxima e com louvor para o livro.