Higor 24/12/2020
"Aprendendo com Nabokov": sobre a caça ao tesouro, em que o tesouro é o tempo e o esconderijo é o passado
Figura igualmente admirada e temida por leitores quando mencionada, a saga de sete livros de "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust estava me cercando em todos os aspectos possíveis. Está presente nas listas de "1001 livros para ler antes de morrer", do "Livro da Literatura", e do "Lições de Literatura", além de ser mencionada em diversos livros e ter abocanhado prêmios importantes, porém nacionais, como o "Prix Goncourt", que não acompanho a risca, mas volta e meia dou aquela conferida para saber o que há de bom sendo laureado no território francês.
Depois de tantas opções de caminhos para conhecer Proust, o mais rápido foi justamente o de acompanhá-lo nas Lições de Literatura de Vladimir Nabokov. Chamado pelo próprio Nabokov de "prisma, em que Proust refrata e cria um mundo em retrospecto", eu fiz esse percurso com a sensação de que ia amar a experiência. E que delícia de livro é este primeiro volume!
Nabokov, inclusive, ousa dizer que leitores ruins ou superficiais, com esse livro, vão sentir tédio e bocejar até, definitivamente, abandonar a empreitada, enquanto outros leitores vão se alimentar das deliciosas palavras de Proust, ora de maneira rápida e ágil, ora com paciência, sem pressa, para apreciar cada detalhe.
É impossível sair ileso das memórias tão intensas, tão ricas de detalhes, que embora sejam atos tão simples e corriqueiros da vida, como o ato de ir ao quarto do filho dar um beijo de boa noite; a visita ao tio, sempre programada, mas de repente feita sem aviso prévio ou até mesmo seus gostos literários, são cenas tão básicas, que escritores atuais, ou que procuram cenas chocantes, bombásticas ou até mesmo com efeitos ou ganchos para manter o leitor vidrado ao próximo volume, acabam por detalhar coisas simples em meras linhas, quando é justamente no simples que mora o magnífico.
O encanto em acompanhar as memórias do jovem narrador de "No caminho de Swann" é justamente o cuidado com que tais imagens são contadas, em um primeiro momento "abandonadas por tanto tempo fora da memória" e que, de repente, "se estiram, de delineiam, se cobrem, se diferenciam, tornam-se flores, casas, personagens consistentes e reconhecíveis". Memória.
É óbvio que muita coisa ainda não foi percebida por mim, mas que certamente serão reconhecidas com uma bagagem literária maior e uma releitura. Exemplo é a menção às obras de arte de Giotto di Bondone, pintor e arquiteto italiano, que eu já conhecia graças às aulas História da Arte, mas que em certos leitores, será algo novo e até pouco interessante. No entanto, tais referências de nada tiram o brilho do livro, mas impulsionam a querer conhecer mais para apreciar Combray e Guermantes em sua completude.
Um livro que demanda tempo e paciência, mas que recompensa o leitor a cada página, "No caminho de Swann" foi a melhor leitura do ano. Um exercício de como olhar as coisas simples da vida com mais atenção.
"Lendo Lições de Literatura" é um projeto baseado no livro 'Lições de Literatura', de Vladimir Nabokov, em que suas aulas da década de 1940 sobre os Grandes Mestres da Europa foram transcritas e compiladas. Para saber mais sobre a lista e conhecer os demais livros, acesse:
site: leiturasedesafios.blogspot.com