Estêvão 19/11/2020Estranhamento e desconforto é o que sentimos ao ler A casa das belas adormecidas, de Yasunari Kawabata. Afinal, a ideia de que jovens virgens são dopadas para servirem de companhia a idosos durante a noite não é lá muito assimilável. Mas é exatamente esse serviço que um hotel oferece e que Eguchi busca nas páginas desse livro. Porém, o simbolismo que isso carrega é o que torna a obra interessante, nos levando a refletir sobre aspectos como vida e morte; inocência e pecado; juventude e velhice. .
A cada capítulo acompanhamos uma visita de Eguche à casa, e a forma como esse personagem é construído nos incomoda e nos causa pena, porque expõe suas fragilidades de forma sutil e com uma linguagem precisa, que se detém em detalhes, progredindo lentamente e nos inserindo na narrativa. .
O erotismo é outro ponto de destaque, porque, mesclando-se aos sentimentos de Eguchi – que ora é selvagem, ora dócil –, a narrativa revela tensões sexuais que a qualquer momento podem explodir, causando em nós um misto de tensão, nojo e raiva. .
O equilíbrio obtido nessas cenas talvez romantize a prática bizarra, mas tem uma função bem clara: aproximar os opostos pelo que têm em comum. No caso das virgens, além vulnerabilidade, uma pureza que a qualquer momento pode ser maculada; já Eguchi é a lascívia que se amortiza diante da pureza. .
Outro aspecto que os aproxima é o da juventude e da velhice. Aqui as jovens representam o início da vida, enquanto Eguchi está na fase final dela, e tanto um quanto outro exibem uma fragilidade e uma incerteza diante do futuro. Nesse aspecto, tempo e morte são dois elementos que exercem sua força sobre ambos, e é o que o final nos diz por meio do destino de alguns personagens. .
Não sei dizer o quanto esse costume é presente na cultura oriental, mas como elemento narrativo, aliado à linguagem meticulosa de Kawabata, causa um efeito interessante que me remeteu ao Yin-yang, por construir equilíbrio entre opostos que se mantém ao longo do livro tanto pela escrita como pelos símbolos que sugere.
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