Marcela Mosqueti 31/07/2020
Não tem como não sentir o incomodo construído pelas palavras de Yasunari Kawabata em "A casa das belas adormecidas", livro que inspirou Gabriel Garcia Marquez a escrever "Memória de minhas putas tristes". ?????
Kawabata conta a história de Iguchi, senhor de 67 anos, que é apresentado por um amigo a um bordel. No entanto, este lugar é diferente do que estamos acostumados, pois nele só frequentam idosos impotentes que pagam para passar a noite ao lado de moças nuas, virgens e adormecidas por fortes remédios.
Não penetrar no corpo das meninas é uma regra assegurada pela impotência dos que são aceitos como frequentadores, mas não é o caso de Eguchi, um dos fatores que fazem o personagem se enxergar por vezes com superioridade em relação aos outros clientes do local. Eguchi, porém, diferente do que acredita, não tem o que podemos dizer de um caráter louvável, pois ele vai revelando sua decreptude moral ao longo de lembranças e reflexões que emergem em cada visita que faz ao bordel.
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A virilidade masculina é alimentada pelo oferecimento do corpo de jovens virgens e inertes como brinquedo. As interações no quarto são, portanto, todas criadas por Eguchi, que a cada visita aciona memórias do seu passado ao observar detalhes nas moças adormecidas.
Durante a leitura, me lembrei diversas vezes de uma performance de Marina Abramóvic, em que ela se propunha a não reagir independente do que o público fizesse com seu corpo nu e inerte. A experiência revelou a presença da perversidade humana, já que inúmeros abusos e violências vieram com a "liberdade" dada pela performance.
Não é das leituras mais confortáveis, principalmente por ser uma obra que levanta reflexões perturbadoras. Logo, nada tem a ver com o culto ao corpo feminino, como já foi bizarramente apontado uma vez, já que Eguchi o tempo todo reafirma a superioridade masculina que ele acredita ter em relação àqueles corpos inertes e também com as mulheres que fizeram parte de sua vida no passado.
Para aqueles que não se assustam com a decreptude humana, vale a pena conferir.