Vitória 21/10/2023
Apesar de já fazerem uns 8 anos que eu sou leitora assídua do Érico Veríssimo, a cada vez que pego uma obra dele sinto como se aquele fosse apenas o meu segundo ou terceiro contato com o autor. Esse foi o meu nono livro lido dele, mas acho que, devido ao fato de sete desses livros fazerem parte de uma série só, que é o meu amorzinho O Tempo e o Vento, e acompanharem a mesma família, eu sinto como se todos esses fossem apenas uma história gigantesca. Eu tinha algumas expectativas a respeito de Incidente em Antares, afinal, depois da série e de Olhai os Lírios do Campo, esse é o livro mais comentado do autor, mas venho aqui falar que, infelizmente, esse aqui não funcionou bem pra mim.
Acho que 90% das minhas questões com essa obra derivam da primeira parte da obra, intitulada Antares. Eu já sou acostumada com a forma com que o Érico conduz uma história que tem como cenário uma cidadezinha do sul, e gosto da maneira com que ele faz isso, mas o tom de livro didático de história durante essas primeiras 200 páginas me incomodou muito. No comecinho, quando ele fala da fundação da cidade e dos primeiros moradores, a gente pula de geração e de "patriarcas" dos Vacarianos e Campolargos com uma velocidade tão grande que eu sequer conseguia decorar o primeiro nome dos personagens, quanto mais me apegar a qualquer um deles. Como uma leitora que preza demais por desenvolvimento de personagem, isso prejudicou demais o meu ritmo de leitura, e quando eu percebi eu estava há 5 dias presa num trecho de 200 páginas que eu conseguiria facilmente, no meu ritmo normal, engolir em no máximo um dia e meio.
Nas últimas páginas da primeira parte da obra as coisas começam a melhorar, afinal o autor chega à época do incidente e se prende muito mais aos protagonistas que a gente vai acompanhar pelo resto da história, e isso só melhora quando os mortos finalmente voltam à vida. Aqui eu tenho que dizer que já estava exausta dessa narrativa, que a minha vontade era jogar o livro pela janela e nunca mais lembrar que eu comecei a lê-lo, e que só não fiz isso porque eu sou a besta que não consegue abandonar livros, mas o Érico ainda conseguiu fazer milagre com o que ele tinha nas mãos, porque as coisas melhoraram demais. Todos os mortos são muito diferentes entre si, e ocupam lugares muito diversos dentro da hierarquia da cidade, por isso o Érico consegue trazer, a partir de um microcosmo minúsculo, um panorama muito amplo e verdadeiro de Antares. Como uma pessoa nascida e criada em cidade pequena, eu vou precisar aplaudir mais uma vez esse homem por algo que eu disse que ele era mestre em todos os livros da série de O Tempo e o Vento: ele sabe como uma cidadezinha funciona, e retrata isso tão bem que eu, que moro na outra ponta do país, e que tenho costumes completamente diferentes, consegui ver em diversos momentos a minha cidade descrita ao pé da letra aqui.
Quanto aos mortos (e sim, vou chamar eles assim) eu gosto de todos, mas tenho meus favoritos. Não é novidade pra ninguém que um dos meus momentos favoritos dos livros do Jorge Amado, que é o meu escritor favorito e o grande amor da minha vida, é quando ele coloca as prostitutas no foco da cena e as deixa falar (Tereza Batista, eu te amo), e aqui o Érico me ganhou pelo mesmo motivo. Fiquei abismada como em plena ditadura militar o cara conseguiu publicar uma obra com tantas críticas e com um protagonista que é morto durante uma sessão de tortura e volta pra falar do que passou. Ainda que ele seja o que menos fale, literalmente, creio que os trechos dele tiveram um peso ainda maior por causa disso. Érico traz pra ficção a realidade brasileira daquela época de que as vítimas da ditadura não tinham o poder de falar por si próprias, e que precisavam esperar que outras pessoas fizessem isso por elas. Também é incrível ver como a estrutura da cidade e a sua reputação é construída em cima de um alicerce fraco, e como isso é destruído com uma tarde de fofoca gritada em alto e bom som na pracinha. Gosto também do fato de que ele traz o que aconteceu após o incidente, e as coisas que os poderosos e aqueles com interesse foram capazes de fazer pra abafar o caso ou distorcer a história ao seu favor. Peguei a referência a O Tempo e o Vento e gritei alto quando a minha querida Bibiana foi citada. No fim das contas essa leitura só serviu pra me fazer sentir saudade dos Cambará. Se não fosse pela primeira parte, esse livro teria virado um favorito meu facilmente, mas a nota mais baixa vai permanecer aqui porque acho que preciso ser verdadeira com a minha experiência de leitura. Agora que li todas as obras famosas do Érico eu não faço a mínima ideia de pra onde ir daqui pra frente, mas tenho tantos livros desse homem aqui em casa que em algum momento eu devo achar o meu caminho, só espero que eu não demore tanto pra voltar pra ele.