spoiler visualizarGabriel Abib 18/12/2023
Meu relato Grande obra: prima
Muito díficill avaliar, em síntese, uma obra prima, de uma escrita e criatividade genial, nível altissimo de talento, entretanto, uma história que te decepiona em determinados trechos (na minha opinião, logo no final).
Aspecto Técnico (5/5):
Sem palavras, se cansa pra gente ler e entender (principalmente no começo) tu imagina pro cara que inventou e escreveu isso, um absurdo, genial. Coloca a essência do nordestino, com palavras de raiz tipica ao mesmo tempo derivando em neologismos fantásticos. A estrutura textual horas pode te desafiar, e mesmo com todo esse cenário, é um livro com "coração" enorme. Cada um dos personagens sertanejos tem a sua alcunha, a sua história e seu comportamento e espaço no relato. Une a exuberância técnica com uma profundidade de criatividade e emoções com um primor admirável, para alguns da época, diria até invejável certamente. Explora as paisagens e localidades típicas ao mesmo tempo que cria novos lugares e nomenclaturas em uma mistura espetacular. O texto bem no começo é arrastado, principalmente pela falta de diálogos e por o leitor ainda não compreender quem aqueles nomes representam, e principalmente, quem está por traz desses nomes (suas vestes, suas origens, seus amores). Quando você está mais situado tudo flui naturalmente e você engrena a leitura.
Em minha opinião, o fato de não ser revelado o eu lirico até as últimas páginas não atrapalhou em nada, até porque ele não se pronuncia mesmo.
Aspecto dos eventos da estória (4/5):
É uma baita história, não me entendam mal, todavia, em muitas oportunidades temos um desfecho fragmentado ou que instiga a sensação de decepção. A falta de cronologia inicial incomoda um pouco, mas logo você se situa. Quem é quem.
Riobaldo (Urutu-branco): é quem dita o relato desde o começo. Figura MUITO densa, no geral é um personagem extramamente carismático, algumas vezes sábio, outras contraditório. Você sabe que aquela pessoa que enuncia boas intenções e aprendizado constante, além de muita lealdade, também um assassino, um desertor, e o mais lamentávelmente um criminoso sexual (como o mesmo relata do seu passado). É um personagem que se apresenta de forma simplória como um jagunço que não compreende muito, mas é sagaz para conduzir várias situações da trama, e como mostrado em sua origem, seja pelas suas memórias que gravaram ensinamentos em sua alma, ou seja pelo seu passado mais instruído, sendo inclusive professor do Zé Bebelo. Teve seu auge no pré-julgamento e no julgamento (aka melhor parte da narrativa) onde se via em divisa, com o seu passado conhecedor da honra do julgado, mas em contrapartida, ciente que de agora era jagunço e aos jagunçoes pertencia sua razão. Confesso que para mim as passagens em que ele toma a chefia (rescusada várias vezes) foi bem chatinha, e pós-pactário bem chata e quase irreconhecível o Riobaldo.
Zé Bebelo: Que figura em, assim como Riobaldo tinha um carisma inicial, mas conforme você acompanha ele de perto, e de certa forma, ineficiente na chefia, você se sente cansado. Tem mais a pose de sábio do que a cabeça, mas sem dúvida um personagem marcante.
Diadorim/Reinaldo: Cara que doidera essa história, eu já tinha assumido que eram homens lidando com sua homessexualidade e no fim você descobre que trata de uma mulher. No começo já tem todas as pistas, como a questão de tomar banho a sós de madrugada, mas ao menos para mim, é indesconfiável. Sempre valente, sempre fiel, seja ao pai, seja ao Riobaldo, seja a si mesmo ou ao seu personagem. Figura cativante, não fiquei contente com seu desfecho, embora tenha sido heróico e fechado seu ciclo funcional dentro da história. Frisa-se que seu óbito serviu para descobrirem a verdade através de seu corpo. Minha passagem preferida dela foi a cena de infância que tanto marcou Riobaldo, é sinistra e extramamente intrigante quando relatada, você depois nem liga para essa coincidência útil do reencontro depois.
Não irei falar de outros personagens para não fazer eu mesmo, um livro grande como a obra que me inspira. Mas fica a menção a tantos jagunços como Joca Ramiro, Medeiro Vaz, Hermógenes, Ricardão, e tantos outros. fantásticos como poderiam ser.
Apesar de toda essa crítica elogiosa, preciso dizer que algumas coisas não descem. O final é o maior exemplo, Riobaldo desmaiar na luta e acordar com todo mundo morto já (grande amigo e inimigo mortal), que escolha questionável, para um leitor é frustrante, você esperava ao menos umas 50 páginas dessa conclusão. O sequestro da mulher do Hermógenes foi feito de forma bem apressada e aleatória, a questão religiosa por trás do pacto também muito mal explorada. A morte do Joca Ramiro também poderia ter sido melhor trabalhada, e uma das coisas que mais me irritou, qual o próposito tácito do Zé Bebelo? Cara vem e vai o tempo todo, só fala loucura, ao mesmo tempo que não é louco, tem papel muito maior na mente do relator (Riobaldo) ou para a cisão do grupo de jagunços (Judas) do que ele próprio fazedor de alguma coisa.
Convenientemente ainda, Riobaldo encontra Zé Bebelo por uma 4 VEZ (tutoria, guerra julgamento, caça ao judas, e isso) ao final da guerra, imcompreensível.
Indiferente aos meu por menores, é uma obra prima, um clássico MUNDIAL e Brasileiro, para um livro de 1956 é absurdamente ousado, pactos, homens lidando com paixão, depois mulher vestida e vivendo como homem, neologismo o tempo todo. Ousado, díficil, criativo, GENIAL.
Não desistam nas primeiras 60 páginas, te prometo que você é muito bem recompensado depois.
Feliz em ter conhecido essa obra!