Betega 19/03/2021
Somos mesmo todos indivíduos?
O livro trata da obsessão de um homem por seu sósia. O protagonista troca uma vida de mediocridade convicta, por uma perseguição a um ator secundário que viu em um filme de qualidade duvidosa recomendado por um colega de trabalho. De repente solta sua criatividade, se torna proativo e focado nessa busca.
Em algum momento do livro, algo acontece que me faz contestar essa minha ideia de que Tertuliano Máximo Afonso, ou qualquer outro personagem humano, seja o protagonista do livro. Talvez, a protagonista seja a obsessão por se diferenciar dos iguais, a incapacidade de ser diferente associada a não aceitação de ser igual.
Porém, não posso argumentar mais sobre isso para não ter que esconder a resenha por spoiler, minha intenção aqui não é iniciar uma discussão sobre o texto, ainda que seria interessante fazê-lo.
Tertuliano, com sua vida banal, na qual seu incômodo nome seja talvez seu maior destaque, é a ferramenta usada por Saramago para expor um mundo cada vez mais pasteurizado. Seguro, sem graça, padronizado. Mesmo quando, sem perceber, o personagem para de ter a mediocridade como forma escolhida de vida, ele continua sendo, de algum modo, previsível. Saramago chega a ser bastante direto, talvez até expositivo sobre essa característica, como raramente é em seus livros, ao propor a tese de que tenhamos trocado os instintos genéticos, presentes nos outros animais, por instintos sociais. Esses padronizam, conforme a tese, nossas atitudes tanto quanto ou mais que aqueles genéticos/naturais.
E toda a aventura do livro se baseia nas trapalhadas e desventuras de Tertuliano tentando encontrar seu sósia. Pensando no que fazer quando o encontrar. Tentando justificar para si mesmo e para os outros essa busca. Enquanto faz isso, ele assume riscos, coloca pessoas em risco, de modo que este livro pode agradar até aquelas pessoas que exigem uma tensão rumo ao final.
O Homem Duplicado tem começo, meio e fim claros, tem expectativa pelas próximas cenas, pelas consequências dos atos. Gera medo do que pode acontecer com o protagonista, nos faz torcer por ele e, consequentemente, esperar pelo final do livro, que não decepciona.
Não sei se é possível dizer isso, mas trata-se de um "Saramago para todos os gostos", uma vez que apresenta mais de uma forma de se acompanhar a história.