Leila de Carvalho e Gonçalves 10/07/2018
Páginas Rasgadas
De autoria de Julio Ribeiro (1845-1890), "A Carne" é um romance naturalista, publicado em 1888, que escandalizou a sociedade e atraiu a ira da igreja, ao apresentar temas até então ignorados pela nossa literatura, como a independência da mulher, divórcio e o amor livre.
Polêmico e alvo de muita curiosidade, o livro esteve entre os mais vendidos durante décadas. Era comum ser comprado em segredo, muitas jovens foram impedidas de ler ou, quando obtinham permissão, as páginas consideradas impróprias tinham sido rasgadas. No entanto, a pátina do tempo fez com que sua obscenidade perdesse o viço, revelando uma drástica transformação de comportamento em pouco mais de um século.
Sua história narra a desenfreada paixão entre Helena Matoso ou Lenita, uma jovem instruída, amante da leitura, e Manuel Barbosa, um engenheiro mais velho e experiente que está separado da esposa há muitos anos. Considerado imoral, esse relacionamento culmina com um trágico desfecho.
A crítica jamais foi pródiga em elogios para o romance. Álvaro Lins afirma de que ele não passa de "uma mediocridade intelectual" e Nelson Werneck Sodré conclui que "marginal nas letras, "A Carne" não resiste à menor análise, seja de forma, seja de conteúdo". Na contramão, Manuel Bandeira foi um dos poucos a tecer elogios, no caso, por sua "posição didática e combativa".
Em linhas gerais, Júlio Ribeiro pretendia tecer uma contundente crítica ao atraso da sociedade brasileira no ostracismo do Império. Para tanto, criou uma protagonista de vanguarda que incomodaria os leitores por sua independência financeira, intelectual e sexual, inclusive, dando margem para abordar o sadismo, a ninfomania e perversões. Para tanto, a estrutura da obra teria como grande trunfo o "histerismo" da jovem, contudo, a opção por um desfecho que contraria o diagnóstico e a extrema erudição, que cria um clima artificial e destrói o romantismo ente os amantes, fizeram com com que a "celebração da carne ganhasse primazia sobre o questionamento dos valores burgueses".
Apesar do problema, para quem pretende conhecer o Naturalismo na literatura brasileira, essa é uma boa sugestão, inclusive, é frequente selecionado para leitura obrigatória em vestibulares.
Nota: "A despeito de ser extremamente popular, na atualidade, o termo ?histeria? não é mais utilizado e deve ser enfaticamente evitado. Isso se deve a vários fatores:
* Ele provoca confusão de diagnóstico. Não está bem definido o que significa.
* Também provoca preconceito e estigma, pois pode ser visto como fingimento dos pacientes, o que não é verdade.
* Existem várias formas mais precisas de classificar os fenômenos ditos histéricos." (Wikipedia)