Daniel4 24/01/2023
"Mulher é terra. Sem semear, sem regar, nada produz."
Niketche: Uma história de poligamia, da escritora moçambicana Paulina Chiziane, conta como Rami, uma esposa dedicada e subserviente, ao descobrir as traições do marido, transforma o seu casamento em um poligamo amoroso.
O desenvolvimento dessa premissa constrói um quadro amplo e complexo, abrangendo a análise e a crítica de diversos aspectos como a condição feminina, a condição masculina e as contradições da sociedade moçambicana.
Há durante todo o livro um embate entre o tradicional e o moderno, o que se preserva e o que se renova. Essa é aparentemente uma grande questão para o povo moçambicano que tenta manter sua raízes culturais em meio as imposições da colonização recentemente superada. Este é um fato histórico que atravessa todo o desenvolvimento do enredo.
Para muito além de um romance, Niketche é um livro de filosofia. Para um visão "ocidentalizada" como a dos brasileiros, o lirismo da escrita, os aspectos místicos e a fortíssima ligação com a natureza são capazes de encantar o leitor. A profundidade da exposição das ideias através da narrativa ancorada na cultura moçambicana e africana e em noções do feminismo - como a emancipação e a análise da condição feminina na sociedade - fazem de Niketche uma obra com grande teor filosófico.
Apesar disso, Paulina Chiziane se quer se considera romancista, sendo para si apenas uma contadora de histórias. Foi a primeira mulher moçambicana a publicar um romance ainda em 1990, com Balada de Amor ao Vento. Marca a primeira geração de moçambicanos a escrever em um país de tradição oral. Niketche foi publicado em 2002 e, assim como as histórias passadas de boca a ouvido, ficará para a eternidade. Genial e necessário.