Giselle.Zart 22/02/2014"E minha mesa está uma desordem e também aqui dentro. Dialogar comigo mesma, pensei depois que li no pórtico do livro: 'Criastes-nos para Vós e o nosso coração vive inquieto, enquanto não repousa em Vós.' O diálogo, senão com Deus, ao menos comigo, mas me dizer o quê? Comecei a escrever estes fragmentos: fiquei sendo a narradora que me focaliza e me analisa mas sempre através de uma intermediária que seria o terceiro lado deste triângulo. Fica simples, somos três. Perfeito o convívio entre nós porque a intermediária é discreta, tipo leva-e-traz mas sem interpretações."
Assim tomei nota de que sou o outro lado deste triângulo. Ela, que deixa solta as palavras e a intermediária discreta, me apresenta seus passarinhos engaiolados nos papéis. A minha edição lida é de um "Livro livre", que encontrei em meu passeio de fim de ano. Fiquei surpresa ao encontrar essa coletânea de fragmentos da maravilhosa Lygia. Uma espécie de diário recortado, com delírios e realidades, datados aleatoriamente, como ela mesma descreve: "Inventei datas que fui deixando cair por estas páginas assim ao acaso e agora não sei quais são as inventadas e quais são as reais. Debruço-me sobre algumas para examiná-las de perto e a proximidade as torna singularmente mais distantes". Os 'personagens', que tem seus nomes abreviados, reais ou não-reais, mostram suas facetas e se escondem, deixam as histórias mais pensativa e imaginativa. Li ele em 5 dias (é um livro curto) mas seu conteúdo é de um brilho sem igual, e eu gostava de apreciar cada conto em sua singularidade. A inquietação íntima e sua observação apurada sobre o mundo, (típicas de uma ariana impetuosa) sempre me surpreendem.
Aqui um conto curto, mas super singelo:
"Só colhia as rosas ao anoitecer porque durante o sono elas sentiam o aço frio da tesoura. Uma noite ele sonhou que cortava as hastes de manhã, em pleno sol, as rosas despertas e gritando e sangrando na altura do corte das cabeças decepadas. Quando ele acordou, viu que estava com as mãos sujas de sangue."