Américo 12/05/2017
Não sei como começar essa resenha, pois eu classificaria a leitura de Musashi mais como uma experiência, do que como um simples livro. Por outro lado, não me entendam errado: o livro não encerra nenhum grande misticismo ou filosofia complexa.
Na verdade, ele preza justamente pelo contrário, ou seja, o alcance do sublime através da simplicidade. E por simplicidade, você pode entender tanto como simplicidade na leitura, pois ele não possui vocabulário complexo, como também simplicidade nas ideias que o autor tenta passar ao longo de todo o livro (embora provoque o leitor com reflexões constantes e, dependendo do tipo de leitura, bastante profundas).
Uma característica marcante do livro é que cada personagem possui traços bem marcantes e distintos uns dos outros, quase como arquétipos. Outra característica é que esses mesmos personagens passam por diversos encontros, desencontros e coincidências ao longo da trama, alguns deles bastante oportunos, outros nada convenientes, evidenciando bastante a ligação cármica que liga a todos, sem exceção.
Posso afirmar que há diversas formas de se ler esse livro, no mínimo sob três pontos de vista distintos:
1) Por simples diversão, pois se trata de uma aventura bastante dinâmica e nada enfadonha;
2) Pela riqueza de detalhes e conteúdo histórico-cultural da sociedade japonesa do século XVII;
3) Pelas profundas reflexões que o livro sugere, e pelas lições ou preceitos morais que tenta legitimar através da sorte de seus personagens.
No meu caso, me esforcei ao máximo por tirar proveito de todas essas três qualidades simultaneamente, à medida em que lia. Irei falar brevemente sobre cada uma delas:
Do ponto de vista da leitura prazerosa, o livro preenche todos os requisitos: ele me fez rir em alguns momentos, chorar de leve em alguns outros, e me empolgar e surpreender um incontável número de vezes.
O livro pode ser classificado como romance histórico, pois mistura fatos históricos da vida de Miyamoto Musashi à fatos fictícios ou não comprovados. Entretanto, foi publicado em forma de folhetim no jornal Asahi Shinbun (Jornal da Manhã), se não me engano o jornal de maior prestígio no Japão.
Por se aprofundar em diversos personagens, o autor é bastante versátil ao mudar o foco habilmente entre a realidade e os acontecimentos que cercam cada um deles, de modo que quase nunca leitura e história se tornam monótonas.
Além do mais, o próprio narrador (em terceira pessoa) traz diversos detalhes sobre fatos históricos ocorridos em lugar X ou Y, o comportamento e a cultura do povo japonês, e quase que exclusivamente se utiliza de nomes de personalidades que de fato existiram àquela época, o que torna o romance muito mais real.
No entanto, a maior riqueza do livro está, em minha opinião, na filosofia e nas reflexões e lições que ele encerra. De forma geral, sobre como lidamos com a nossa vida e encaramos certas oportunidades ou fatalidades, e num viés mais específico, como trilhar o verdadeiro caminho do bushi, o guerreiro samurai.
Saber parar de ler por alguns minutos e tirar o devido proveito de cada uma dessas reflexões, pra mim, foi a grande dádiva desse livro.
O livro encontra-se dividido em sete partes: as cinco primeiras (A Terra, A Água, O Fogo, O Vento, O Céu) remetem aos cinco rolos escritos por Musashi para compor sua obra Gorin No Sho (o Manuscrito dos Cinco Rolos, ou Livro dos Cinco Anéis, como é conhecido no Brasil), mas pode remeter-se também aos cinco estágios de evolução no budismo.
Esses estágios de evolução remetem diretamente ao lótus, que é o símbolo da iluminação no budismo, pois o lótus surge da lama (elemento terra, ligado ao materialismo, às coisas mundanas) e a cada estágio vai se purificando até atingir seu estado sublime, que é a flor (elemento céu ou vazio, o estado de iluminação).
Fazendo uma comparação com o lótus, assim evolui o guerreiro Musashi: inicialmente selvagem e inconsequente, através da correta orientação ele vai aos poucos se polindo e tornando-se um ser mais sensível, culto e refinado, embora mantenha sempre o caráter humilde e a mente aberta.
A sexta e a sétima partes do livro ("As Duas Forças" e "A Harmonia Final"), na minha opinião, remetem, respectivamente, aos dois princípios (masculino/feminino, yang/yin), e que no livro podem ser transpostos para as figuras de Musashi (princípio yin, contemplativo, que flui como a água, não se deixa moldar e se adequa à cada mudança) e Kojiro (princípio yang, incisivo, sólido como uma rocha, quer impor sua vontade); e ao caminho do meio, à iluminação, ao equilíbrio, ao Nirvana.
Enfim, essas são apenas algumas impressões pessoais, embora eu creia ser impossível traduzir todas elas apenas com palavras. Mas posso dizer que é um livro que vale muito a pena ser lido.