Milla 18/12/2012A Batalha de Bombaim é a batalha do eu contra a multidão. Suketu Mehta.Esta é a epígrafe do capítulo seis do livro Cruzando o caminho do sol e é com esta frase que quero começar a Leitura Crítica do livro.
Já fazia um bom tempo que não passava uma madrugada lendo e me senti feliz por ter feito isso com Cruzando o caminho do sol. Eis um livro que desde a sinopse eu já sabia que se enquadrava no meu gosto literário e que pareceu para mim uma anomalia no catálogo da Novo Conceito – mas não estou dizendo que isso é ruim, é o contrário aliás.
Para quem está acostumado com Nicholas Sparks e Emily Giffin, as palavras de Corban Addison podem não ser muito agradáveis. E eu li várias resenhas para saber a opinião das pessoas a respeito do livro, lamentei muito pelas resenhas superficiais, enfim, só posso dizer que opinião é uma coisa muito pessoal. Mas não sejam tolos a ponto de ler um relato destes e ignorar, se eu pudesse resumir em duas palavras todo o livro, escolheria estas: pura realidade.
Ahalya e Sita são duas adolescentes (17 e 15 anos respectivamente) que sobrevivem ao tsunami que destruiu a costa leste da Índia e matou, dentre milhares de pessoas, seus familiares. Sem ter para onde ir, elas encontram um homem que reconhecem como um amigo de trabalho do pai e pedem ajuda a ele para chegar ao convento onde estudam, entretanto, elas terminam chegando a um bordel em Mumbai.
Do outro lado do Atlântico, está o advogado Thomas Clarke, que viu sua esposa partir – de volta para a casa de sua família, em Mumbai – e está vendo sua carreira profissional sofrer uns abalos. Seu chefe então lhe recomenda que ele tire um ano sabático e ele escolhe ir para Mumbai trabalhar em uma ONG que tenta proteger meninas que são vítimas do tráfico e exploração sexual.
Eu sei que isso foi, por enquanto, só uma sinopse alternativa. Mas há muito mais para falar sobre Cruzando o caminho do sol.
O livro, escrito por um advogado, mostra toda a corrupção do mundo. Mesmo tendo toda a escravidão do mundo sido abolida, restou no submundo o sequestro da subjetividade, o sequestro de vidas, liberdades, destinos, inocências, futuros.
Neste livro, o ponto de partida da história é o tsunami, mas, em outros casos, meninas de países subdesenvolvidos são enganadas sob a promessa de um emprego como babá ou garçonete na América (EUA, mais precisamente) e na Europa e perdem suas vidas nas mãos de cafetões, vendidas e estupradas em bordeis. Em alguns casos, elas nem cruzam longas distâncias, saem de regiões costeiras e interioranas na própria Índia e terminam em Mumbai.
Eu acho muito interessante os sentimentos de amor e ódio que os nascidos em Mumbai nutrem pela cidade. O ambiente é sujo, poluído, corrupto, pobre, mal conservado, e eles têm vergonha disso, mas simplesmente amam. E, cada vez mais, constato que lar é muito mais que um lugar para morar, o lar é a identidade de uma pessoa.
Após alguns dias em Mumbai, Ahalya passa a ser estuprada por clientes do bordel, mas mantém-se sólida para transmitir segurança para Sita, que ainda não foi tocada por ninguém. Entretanto, quando o resgate vem, por intermédio da equipe que Thomas é integrante, Sita desapareceu. É neste momento que os destinos de Ahalya e Thomas se cruzam, ela confia a ele a missão de encontrar sua irmã e ele, sem entender os motivos, toma para si esta responsabilidade.
O que senti na maior parte do tempo, além de uma eletrizante e furiosa vontade de ler, foram asco e nojo da espécie humana, racional. O que me prendeu nas páginas de Cruzando o caminho do sol não foi a beleza ou o romantismo – quase inexistentes nesta obra – foi justamente o contrário, o ódio, a raiva, o desprezo. As meninas são tratadas como mercadorias, são objetos negociados. Senti uma imensa agonia, ao ver as esperanças de Sita transformarem-se em desespero a cada noite fria, a cada agressão, a cada tentativa de fuga. Senti que eu também amargurei com Ahalya, por ter sido violentada, abusada e por não saber onde estava sua irmã. Me senti incapaz, minúscula, inútil com Thomas ao perceber que o dinheiro está acima dos valores morais, que quem tem grana não tem lei.
Outro ponto que gostaria de ressaltar, é que o autor fala de tráfico sexual sem cenas de sexo, pois é, em nenhum momento ele narra detalhes de como acontecem os estupros.
Paralelamente, Thomas, que está afastado do trabalho, sente que precisa reconquistar sua esposa, Pryia, e desta vez com a bênção do pai dela. Mas o relacionamento deles sempre foi um pouco complicado por causa da diferença cultural (heterogeneidade representa o caos) e a medida que o tempo foi passando, eles começaram a divergir; O ponto extremo do relacionamento foi quando a filha recém nascida do casal amanheceu sem vida.
O que nos encanta no Thomas talvez seja simplesmente isso: ele é um homem com defeitos, que colocou a vida profissional acima do lar; e está tentando corrigir os seus erros, resolver seus próprios problemas, mas ele parte mundo afora com o intuito de ajudar Ahalya e Sita.
Recomendo sem restrições.
E deixo a dica de leitura: Sua resposta vale um bilhão, do indiano Vikas Swarup.