Luan 04/04/2017
Um livro sobre guerras, amizade e confiança
Se em O Motivo, primeiro livro da série Mundo em Caos, já havia o indício de uma guerra iminente, no segundo, A Missão, a gente acompanha o seu início e um desfecho que deixa claro ela acontecerá no terceiro e último de uma forma muito épica. Inferior ao primeiro volume, a continuação da série foca principalmente em lealdade, amizade e crença. Como é possível confiar em alguém numa guerra? Em quem devemos confiar? Como saber em quem confiar? São perguntas que alguns personagens fazem ao longo da obra – e que, por isso, talvez, o torne um pouco repetitivo.
A missão começa logo depois do término do primeiro livro. É quando ocorre o encontro inesperado de Todd e Viola com o prefeito Prentiss, os esperando já em Paraisópolis. Uma vez na cidade, Todd e Viola, separados, vão se deparar com uma capital dominada pelo antigo prefeito de Prentissburgo. Tomada a força e que vai viver os próximos tempos as consequências da invasão. Ao mesmo tempo, os dois protagonistas precisam criar novos laços e alianças para que possam sobreviver a um mal iminente: a guerra.
Narrado novamente em primeiro pessoa, o livro nos traz os mesmos e bons ingredientes do primeiro volume: muita ação, mistério e leitura de tirar o fôlego. Mas o autor Patrick Ness esqueceu de apostar um pouco mais no avanço da história e acabou pecando por passar uma sensação de repetição. Digo isso porque, apesar de boa parte da obra ter ação e a leitura realmente ser fluida, em vários momentos parece que a história anda e não sai do lugar. Não gosto quando um livro tem medo de arriscar e prefere ficar na zona de conforto. Não gosto quando um livro tem medo de desenvolver a história e deixa isso lá pro final. E pareceu que foi bem isso o que aconteceu.
Em termos de negatividade, se destaca principalmente o pouco avanço da história, onde há vários fatos acontecendo, mas que para o leitor não tem tanta relevância naquelas situações apresentadas. Coisas que não acontecem, ficam só na intenção. Fatos que vão e voltam, sem evolução da história. O que parece atrapalhar um pouco também é dificuldade em dar uma personalidade a dois ótimos personagens: Todd e Viola. Ambos narram a história em capítulos intercalados. E não é fácil perceber a mudança. Não fosse o nome de cada um lá no início do capítulo, certamente poderia parecer que ele estava sendo narrado pela mesma pessoa desde o início.
Sendo está uma trilogia que me conquistou no primeiro livro principalmente pela construção de mundo e carisma de personagens, a continuação não me deixou decepcionado, de forma alguma. Talvez eu esteja mais exigente justamente por isso. Mas é claro que o livro é bom, tem muitas qualidade. A escrita do autor é de alto nível. A coerência da história que ele constrói, a ligação de fatos do início do livro com acontecimentos desencadeados no fim deixam o leitor de boca aberta. Mais que isso, há ainda conexão de fatos entre o primeiro e o segundo. Não irei, de forma alguma, criticar a história, já que Ness construiu um mundo muito interessante e uma história muito crível.
O amadurecimento dos dois protagonistas é algo muito notório também. O livro se passa em um largo espaço de tempo, pelo menos seis meses, se não me falha a memória. E ao longo desse tempo, os acontecimentos fazem dos dois mais fortes em comparação com os dois personagens que conhecemos lá atrás. As decisões que eles precisam tomar, a dificuldade deles, enquanto crianças, em entender em que pessoas devem confiar em meio a uma guerra, e que guerras não são feitas apenas de batalhas físicas, mas também de mentiras. Eles precisarão lidar com isso. Além disso, Davy, filho de Prentiss, é um personagem profundo que evolui também ao desenrolar da história. O próprio vilão é outro destaque, já que se torna ainda mais indomável. Soma-se a estes, outros vários tipos, como a Sr. Coyle, importante para o desencadear da guerra.
Livro de quase 500 páginas, consegui ler em menos de um semana, o que não é normal. Graças ao bom ritmo que o autor emprega, com uma leitura não é nada lenta ou enfadonha, e uma diagramação precisa ao leitor, quem lê mal vê o tempo passar. Houve algumas intercorrências no meio do caminho, com uma revisão que deixou a desejar. Frustrado com algumas decisões das últimas duas páginas, a reta final entrega um desfecho satisfatório e ainda mais épico, repleto de viradas e revelações que faltaram nas partes anteriores. Para o nível apresentado no primeiro, esperava mais no sentido de um desenvolvimento mais aprofundado, corajoso, maduro. Mas apenas manteve, sem evolução. O que, claro, por si só, já é ótimo. Quatro estrelas.