bardo 28/07/2023
Reler Mrs Dalloway reforçou em mim a impressão de que não é um livro para todos, por mais importante e relevante que seja, pensando-se nas inovações que Woolf trouxe para o gênero nessa obra. A primeira dificuldade para o leitor incauto é a “falta” de acontecimentos, o enredo do romance poderia facilmente ser descrito num parágrafo curto e tal descrição não faria justiça para o que o texto esconde.
A outra grande dificuldade é sua “principal” protagonista, enquanto rapidamente nos solidarizamos e nos compadecemos de Septimus; Clarissa é uma personagem muito mais difícil de ser compreendida. É difícil não cair num julgamento mordaz considerando-a apenas uma socialite fútil e tola. Nosso distanciamento com a cultura e “espírito da época” em que se passa o romance só ajudam a aumentar essa estranheza, que nos afasta da protagonista ao passo que tanto narrador como alguns personagens tentam nos aproximar dela.
A despeito dessas dificuldades, impressiona a capacidade de Woolf em mostrar as menores sensações e pensamentos de seus personagens, por menos claras que pareçam. Com seu tempo cronológico extremamente reduzido, pouco menos do que um dia, é um romance que exige um esforço do leitor, não existe nada jogado aqui.
Woolf convida-nos a espiar seus personagens tentando dar ou retomar um sentido ao mundo, mesmo que internamente sintam-se temerosos, inadequados ou vãos. O monólogo interior de Clarissa quase no fim da narrativa é um tanto perturbador e ambíguo, ao mesmo tempo que confirma sua intenção de cumprir seu papel nesse grande palco que é a vida.
Cabe ainda dizer que essa edição da Antofágica é bastante interessante, seja pela tradução fluída, pela imensa quantidade de notas, bem como os textos de apoio que são bastante ricos.