spoiler visualizarMaria Gabriela 11/07/2022
A carteira de um amigo talarico
"A carteira", do ilustre Machado de Assis, carrega em sua essência os elementos típicos e previsíveis da escrita e das reviravoltas muitas vezes esperadas dos personagens do autor. Como conto, é preciso dizer que segue a risca suas principais características: extremamente curto e de fácil entendimento, mesmo com a utilização do português de época. Para um conto, a história não é aprofundada como o esperado de enredos mais complexos ou que traz a tona grandes reviravoltas que deixem o leitor surpreso; pelo contrário, deixa explícito em seus primeiros parágrafos a história conturbada de um homem endividado, uma esposa infiel e um amigo não confiável.
Honório, o protagonista do conto, encontra-se endividado após fornecer tantos luxos e prazeres a sua esposa. Os sentimentos de ganância e desespero são evidenciados quando o personagem encontra uma carteira cheia de dinheiro, suficiente para pagar todas as suas dívidas e dar mais um período de luxo e despreocupação; entretanto, o embate entre satisfazer seus problemas começa ao ser questionado por sua própria moral e ética ao se perguntar se é correto subtrair para si tal quantia exorbitante. Ninguém saberia se a carteira não era sua, porém o dono desconfiaria caso a encontrasse sem o dinheiro. E a revelação de que o objeto pertence ao seu amigo obriga o leitor a se colocar no lugar de Honório: teria coragem de pegar o dinheiro de seu amigo e viver bem depois?
Quando a carteira é devolvida a Gustavo, é evidente que sua preocupação não era com o dinheiro, mas com os papéis que guardava. Como não muito esperado, e que tirou um pouco do clímax do conto por ser algo já previsível, uma vez que Machado de Assis parece gostar desse tipo de revelação, as cartas e os bilhetes guardados eram juras de amor trocadas com a esposa de Honório. A traição não é tão surpreendente como o esperado e a forma como se desenrola muito menos, uma vez que foca em apresentar o dilema moral do protagonista em pegar o dinheiro e pagar suas dívidas ou devolver a carteira ao seu legítimo dono; o romance entre Amélia e Gustavo não choca muito, já que não é o foco principal, mas devo admitir que o autor não trouxe a tona nenhuma pista que revelasse tal final. Um ponto positivo para um clichê já recorrente nas obras dele.
É um conto curto e de fácil entendimento, que foca em um ponto e não busca explicar de tantos modos as tramas secundárias sem muita relevância. A escrita é fluída e simples, mesmo com o português de época. A história não é muito aprofundada, mas sabe entreter o leitor nos momentos certos. Recomendo para quem está em busca de uma leitura rápida ou algo pequeno e modesto para sair da ressaca literária.